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Comportamento

Cerimonialista também chora em velório e trabalha entre "adeus" e "barracos"

Elverson Cardozo | 14/04/2014 06:35
Sepultamento é o momento mais triste do funeral   (Foto: Cleber Gellio )
Sepultamento é o momento mais triste do funeral (Foto: Cleber Gellio )

Ela é formada em Pedagogia, mas nunca atuou na área, aliás, nunca havia trabalhado, até conseguir emprego como cerimonialista em uma empresa especializada em funerais de Campo Grande. Na função há 1 ano, vivendo a rotina de acompanhar velórios, Gisele Silva de Lima, 32, já presenciou de tudo e, apesar do pouco tempo, tem certeza de que, na hora do adeus, o ser humano é capaz de protagonizar situações extremas, alguma inimagináveis.

A mulher, que sempre quis saber como funciona “esse negócio da morte”, passa o dia dobrando e desdobrando véus, abrindo e fechando caixões, acompanhando cortejos, sepultamentos e presenciado despedidas, homenagens, rituais, choros e gritos de desespero. Faz isso com a naturalidade e a neutralidade que o cargo exige, mas, às vezes, a situação foge do controle.

“Tem velórios que eu choro junto com as pessoas. Os amigos tiram sarro de mim e me perguntam se eu ganho para chorar, mas tem dias que não dá, principalmente se for criança. Sinto um nó na garganta”, disse, ao comentar que a “descompostura”, no fundo, pode ter explicação mais biológica. “Sou mãe também. Tenho um filho de 1 ano e uma menina de 14”.

Gisele, no início, chegou a procurar um médico. A carga do trabalho era demais para quem nunca havia trabalhado e tampouco lidado tão de perto com a morte. Hoje, garante, está mais controlada, mas nem por isso deixa de se emocionar.

Atitudes e reação - Ela, que carrega os pequenos caixões de crianças no colo, no banco da frente do carro da funerária, relata que o último adeus aos pequenos é de cortar o coração. As mamães, no desespero, são capazes de tudo. “Choram, pegam a chupeta do bebê, coloca ursinho no caixão ao lado deles... Quando isso acontece minha maquiagem vai para o pau na mesma hora”, conta.

Gisele trabalha como cerimonialista há 1 ano. (Foto: Paulo Francis)
Gisele trabalha como cerimonialista há 1 ano. (Foto: Paulo Francis)

Por outro lado, há famílias “neutras”, para não dizer outra coisa, quem não demonstram qualquer reação. “Alguns falam que não querem nem ver. Assinam tudo e dizem que a gente enterrar”, contou. Também tem aquelas que deixam o morto “abandonado”. Esquecem que estão em um velório e vão papear, discutir a vida e dar risada. “Você chega e o defunto está lá, sozinho”.

Isso é pouco perto dos “barracos”. Em algumas situações sai briga, com direito a tapas, socos, xingamentos e acusações do tipo: “ele morreu por sua culpa”; “você não cuidou dele” e “agora não adianta chorar”.

A morte, por mais triste que seja, também revela surpresas, algumas nada agradáveis. Em um velório que fez, a cerimonialista se lembra de ter presenciado uma confusão entre três mulheres, que tinha algum envolvimento com o morto. “Duas tinham filho com ele e virou um ‘brigueiro’. As três foram até o caixão e beijaram a boca do morto”, relatou.

Velório de gente chique tem homenagem que não acaba mais, com leitura até de poema, contou. Na outra ponta é o oposto. “Tem um povo que tira fotos do morto e quando a gente vai fechar o caixão não querem, ficam em cima e arrancam até o véu”.

Profissão delicada - Gisele justifica as diferentes reações em função da cultura, da crença religiosa e, claro, do momento, que deixa a maioria das pessoas transtornadas.

Proprietário da Pax Canaã há 20 anos, Pedro Efoncio de Farias, 46, pensa de maneira semelhante e conta que, em algumas situações, os agentes funerários passam por apuros.

Pedro, da Pax Canaã, está na área há 20 anos e já viu de tudo um pouco.
Pedro, da Pax Canaã, está na área há 20 anos e já viu de tudo um pouco.

“Tem família que, no desespero, não quer que a gente tire o corpo. Avança mesmo em nós. Acha que a funerária tem culpa da morte. No mês passado, por exemplo, a gente velou uma criancinha de 3 meses, coisa mais linda. A mãe não aceitava, gritava e pedia para a gente não levar”, contou.

Alguns passam do limite e chegam a partir para agressão, atirando pedras e o que encontrar pela frente. “Fomos pegar p corpo de um rapaz que foi assassinado por tiro, e o pai se revoltou com a demora da perícia. Queria partir para cima porque deixamos o corpo no chão. Ele falava que o filho dele não era cachorro para ficar daquele jeito, mas a culpa não era nossa. Tivemos que conter o camarada”.

Assim como Gisele, Pedro também já presenciou situações que fugiram do comum. No Cemitério do Cruzeiro, uma filha, de tão abalada, se jogou em cima do túmulo da mãe e queria ser enterrada com ela.

No Memorial Park, durante a despedida de um senhor, não houve choro, nem uma gosta de lágrima sequer. Era um pedido do pai. “Eles davam risada, batiam palmas e jogavam flores. Foi engraçado. Até eu ri porque nunca tinha visto aquilo”, relembrou.

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