Com marmanjo de mamadeira, por que virou febre agir feito criança?
Psicanalista explica o que está por trás da infantilização de adultos nas redes sociais

Viver nas redes sociais tem um custo. Para muitos, o preço é assistir a pessoas adultas se comportando como crianças e até usando mamadeiras e chupetas. Na lista de itens que claramente seriam atribuídos ao público infantil, homens e mulheres acima dos 25 anos surfam na onda de tendências que vão desde bichinhos de pelúcia, como os famosos Labubus, até bebês reborn. E mais: mamadeiras de vidro, que viraram febre no ano passado graças a uma bebidinha coreana que se tornou febre na internet.
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A infantilização de adultos nas redes sociais tem gerado debates sobre comportamentos que incluem o uso de chupetas, mamadeiras e brinquedos infantis por pessoas com mais de 25 anos. Segundo a psicanalista Hilza Ferri, o fenômeno pode indicar uma fuga da realidade e uma forma de abdicar das responsabilidades da vida adulta. Em entrevistas realizadas no Centro de Campo Grande, cidadãos expressaram preocupação com essa tendência, associando-a à carência afetiva e busca por atenção. Especialistas alertam que, embora o elemento infantil seja natural no desenvolvimento humano, sua manifestação excessiva pode indicar problemas emocionais que necessitam de acompanhamento profissional.
Andamos pelo Centro para saber o que as pessoas acham disso tudo. A resposta foi unânime: busca por atenção nas redes e carência afetiva. Enquanto isso, a psicanalista Hilza Ferri explica o que pode estar por trás dessa infantilização de adultos.
Ela comenta que o fenômeno contemporâneo gera um estranhamento e que, à primeira vista, pode até parecer um modismo, mas está acontecendo um embaralhamento entre o comportamento do adulto e da criança. O motivo? Fuga da realidade. Segundo ela, os itens podem ser usados como refúgio para se amparar diante de um mundo que cobra tanto e exige tanto dos adultos.
“Pode ser uma regressão simbólica. Quando a chupeta, mamadeira e pelúcia se tornam formas de abdicar da responsabilidade, pode haver uma regressão social. O infantil todos temos, somos infantis com o outro, nas relações. Hoje o mercado transforma tudo em produto e cria o Labubu ou outros bonecos para prometer conforto e alegria em ter aquilo. Como se as pessoas tivessem sempre que ser felizes, sem viver a tristeza, o luto, os medos. O mercado está aí para dizer: tampe o seu furo com isso.”
Hilza pontua que brincar é saudável e que a forma do adulto brincar é com as palavras, quando escreve, com a pintura, com a dança ou nos esportes. O problema não é o infantil, é quando virar criança de novo serve para fugir do agora.
“Estamos brincando com o infantil ou nos escondendo nele? O perigo é esses objetos virarem objetos de fetiche que deixam o sujeito em uma repetição compulsiva. A infantilização cultural é reflexo da nossa dificuldade coletiva com limite, de nos vermos como imperfeitos por promessas de completude que nunca vão acontecer. Somos imperfeitos e, por isso, caminhamos.”
Para Ionete Sena Colhante, de 50 anos, a questão é por atenção nas redes, mas mais profundamente por carência na vida.
“Eu acho nada a ver tudo isso, que é só para se aparecer. Já vi no meu dia a dia. Hoje em dia está complicado, a carência afetiva. Acho que elas se apegam nessas coisas, bonecas e até pets, para ver se passa algo, porque você não tem mais amor como antigamente. Eu tenho um monte de boneca e ursinho, mas não faço essas coisas.” Para ela, o resto é até suportável, exceto os bebês reborn.
“Acho ridículo, tem tanta criança para adotar, para dar carinho. Você vai dar carinho para boneca? Ela não está sentindo, não é um ser vivo. Tenho uma filha adolescente que namora e eu acabo sozinha em casa. Agora somos só nós duas, há três meses que meu esposo faleceu. Às vezes preciso de um colo, de uma pessoa me ouvir, isso não dá com boneca".
Sentado em um dos bancos da Praça Ary Coelho, Pedro Salazar, de 18 anos, pontua que toda essa questão é romantizada na internet e que ele acha prejudicial.
“Esse pessoal que se infantiliza não só fortalece os fetiches das pessoas que procuram por esse tipo de conteúdo na internet, como esses vídeos podem servir como um ponto de encontro para pessoas que compartilham disso.”
Ele vai mais fundo na discussão para falar que pessoas que veem esse tipo de conteúdo são questionáveis quanto ao grau de interesse por crianças.
“Uns anos atrás, quando o YouTube não era muito regulamentado, tinha muito conteúdo de crianças e acontecia isso. Por isso acho que a existência dele é prejudicial. Acho que as pessoas usarem esses adereços é um ponto semelhante, perto disso. Eu acho que tem pessoas que realmente curtem fazer isso e tem gente que faz só para gerar atenção.”
A cozinheira Juliana Nunes Vasconcellos, de 31 anos, acha que quando adultos se comportam dessa forma algo está faltando.
“É uma coisa que tem que ser resgatada e entendida ali na psicologia mesmo, desde a parte da infância. Entender qual gatilho gera a pessoa ter determinada atitude na fase adulta, tem que ter um acompanhamento para entender. Não acho que seja normal, mas o que é normal? O principal é entender o que leva a isso. Acho que é uma regressão à infância, alguma falta.”
A psicanalista acrescenta que, para Freud, o infantil nunca se perde e que isso é acessado durante as sessões de terapia. “Ou seja, ele continua no sujeito, mas aparece na fantasia, no sonho. O adulto carrega a criança. A análise não limita o infantil, assim como a criança usa brinquedo para ressignificar, a gente usa a palavra, a gente comunica e fala sobre. Isso é estar em uma posição mais adulta, é usar a palavra para poder falar do que é furado em nós.”
Ela explica que a psicanálise não está como julgadora do certo e do errado, mas contribui com a forma de entender o mundo e a cultura.
“Cada pessoa traz um mundo com ela, a família, questões culturais de uma época. Poder enfrentar isso não é para caber na caixinha do outro, ser um adulto ‘perfeito’ e dar conta de tudo. Cada caso precisa ser trabalhado individualmente para ver onde o uso dessas coisas como chupetas, mamadeiras e ursinhos tocam nessa pessoa.”
Rafael de Oliveira Ferreira, de 38 anos, compartilha da mesma opinião que Pedro. Para ele, usar chupetas, mamadeiras e adereços considerados infantis pode ser perigoso na internet.
“Nunca vi isso de chupar chupeta e mamadeira, mas se eu vejo que uma mulher, por exemplo, faz isso e tem um homem que se interessa por ela através disso, eu acho que essa pessoa tem interesse em crianças. Não é generalizando e sendo chato.”
Ele acrescenta que não tem nada contra quem faz coleções de bonecas, desde que não trate como um filho. “Vejo que as pessoas tratam assim, brigam em fila, passa do normal. Não tenho preconceito, mas acho que precisam de algum tratamento.”
O auxiliar de almoxarifado Thiago Amaral, de 32 anos, acredita que a atitude é falta de limite.
“Um adulto fazer isso os pais deveriam corrigir lá atrás, para a pessoa crescer sabendo que já passou por essa fase e que tem que enfrentar a vida adulta da forma que tem que ser. Essas coisas são de criança. Falta maturidade para essa geração de hoje em dia.”

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