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Comportamento

Com novelo debaixo do braço, homem termina colcha de valores andando pelas ruas

Paula Maciulevicius | 05/01/2016 06:12
Nos dedos, a agulha de crochê e nos ombros, uma colcha de mais de cinco quilos. (Foto: Marcos Ermínio)
Nos dedos, a agulha de crochê e nos ombros, uma colcha de mais de cinco quilos. (Foto: Marcos Ermínio)

Andando e trançando. Os dedos de Jeyson seguem o caminho da costura automaticamente. Como quem aperta um botão, ele inicia o crochê e só para quando é obrigado mesmo. Até na carona do mototáxi ele dá um jeito de fazer. Se vira como pode, tanto no bordado quanto na vida.

Talvez você já o tenha visto por aí. No ônibus, no shopping, na rua, com o novelo debaixo do braço e a colcha a ser feita jogada no ombro. Quando está no início, parte dela está dentro da mochila, para fora fica só o que está sendo costurado. Como ali já são 144 peças e em torno de cinco quilos de coberta, são os ombros que levam a costura adiante.

"Eu faço porque gosto, se aparecer alguém para comprar, eu vendo", anuncia Jeyson Silva. O rapaz tem 25 anos, trabalha como Serviços Gerais em uma construtora de prédios e se considera artista. Aprendeu tal arte no presídio, seis anos atrás, quando pegou seis meses por furto.

Do ponto de ônibus, ele anda por algumas quadras com os olhos fixos na agulha, até a portaria do prédio onde trabalha. (Foto: Marcos Ermínio)
Do ponto de ônibus, ele anda por algumas quadras com os olhos fixos na agulha, até a portaria do prédio onde trabalha. (Foto: Marcos Ermínio)

O que mudou dali por diante? "Tudo", responde ele. Foi onde encontrou o caminho para uma igreja evangélica e diz ter abandonado o vício. A motivação do crime foi essa, furtar para se drogar.

"Mas esse não é o único trabalho que eu faço. Eu também bordo ponto cruz e faço vestido de noiva", conta. O último ofício, ele explica que por não ter todo aparato e nem ateliê, não consegue sozinho, ainda.

A tal colcha é uma para cama king size e já está na fase do acabamento. Deve ter ficado pronta hoje. Se fizesse só ela, sem cumprir o expediente de oito horas diárias como serviços gerais, Jeyson chegaria ao fim em 15 dias. Mas a colcha que carrega nos ombros já lhe é companhia há quase um mês.

"A gente dá um jeito sempre. Vontade e fé move qualquer pedra que estiver no seu caminho", explica, sobre o crochê e a vida. Do ponto de ônibus, ele anda por algumas quadras com os olhos fixos na agulha, até a portaria do prédio, no bairro Carandá Bosque. O trajeto todo, de casa até o trabalho, também é feito assim, de cabeça baixa, prestando atenção nas trancinhas.

"Eu vou para o Serraville, na igreja onde frequento. Também ando no ônibus, no shopping, qualquer lugar eu vou fazendo. Por quê? É o entusiasmo. Eu sou um entusiasta, eu fico entusiasmado com o trabalho. Quando não levo, fico apreensivo para voltar para casa e terminar", descreve.

Os dedos não param e acompanham os passos do rapaz. (Foto: Marcos Ermínio)
Os dedos não param e acompanham os passos do rapaz. (Foto: Marcos Ermínio)

Pelas ruas, Jeyson conta que já foi abordado diversas vezes. A cena é curiosa e ele acredita que se torna ainda mais peculiar por ele ser homem. "Todo dia tem gente que me pergunta... Os homens são mais preconceituosos, acham que é um trabalho feminino", diz.

Pergunto se ele sabe fazer o macramê. A resposta é um 'não', por enquanto. "Fazer, fazer mesmo, não. É difícil, eu já vi fazendo, mas nunca fiz. Mas não é por isso que vou morrer sem aprender".

O crochê feito nas caminhadas diárias ensinou ao rapaz muito sobre valores, tanto do próprio trabalho quanto dos demais. "Você vê o trabalho que dá. Fazer não é fácil, é um sacrifício. O que a gente emprega tem um valor muito grande e a única coisa que eu espero é o reconhecimento", afirma Jeyson. E este já veio em forma de 'parabéns'. Ao longo de seis anos de costura, ele contabiliza mais de 400 cumprimentos.

"É o que todo artista espera. Ser reconhecido pelo trabalho que faz".

Depois de pronta, a colcha fica em casa e outra peça começa a tomar forma. A ideia é fazer um jogo de quarto, então em seguida são as duas fronhas, dois tapetes, cortina e a toalhinha do criado mudo, que por enquanto ainda não tem comprador.

O preço médio, Jeyson fala que é de R$ 600, mas há quem venda até pelo dobro. Na bagagem, esta é a 16ª colcha de "valores".

"É gratificante pelo tamanho, quando você termina e vê um trabalho tão grande e se lembra que antes aquilo não era nada".

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Essa é uma sugestão de pauta da amiga e leitora, Helena Maria. 

Colcha quase pronta, que dá brilho aos olhos do fazedor de crochê. (Foto: Marcos Ermínio)
Colcha quase pronta, que dá brilho aos olhos do fazedor de crochê. (Foto: Marcos Ermínio)
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