ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, SEXTA  29    CAMPO GRANDE 24º

Comportamento

Ela raspou a cabeça só para mudar, mas percebeu que ninguém vê as carecas

Elverson Cardozo | 14/06/2013 06:48
Luana no dia da "loucura". Pediu máquina no zero. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Luana no dia da "loucura". Pediu máquina no zero. (Fotos: Arquivo Pessoal)

As perguntas vêm de todos os lados, praticamente todos os dias, de gente que ela nem conhece: “O que houve? O que há? O que aconteceu, meu amor, você cortou os seus cabelos?“ Tranquila, segura de si, a garota responde, sem ficar estressada: “Foi a tesoura do desejo. Desejo de mudar mesmo”.

Desde que resolveu raspar a cabeça, há mais de um mês, a estudante de biologia Luana Leichtweis Vieira, de 20 anos, moradora de Dourados, ouve, todos os dias, perguntas como essa. Virou rotina, mas, para ela, isso não é problema, pelo contrário.

Luana está feliz, sentindo-se bem e realizada. Era o queria. Depois de viver a fase dos dreadlocks na extensa cabeleira que batia no meio das costas, ela resolveu cortar tudo e passar máquina no zero, sem choro nem vela. A “loucura” era, na verdade, um desejo de criança que reacendeu quando a jovem viu os calouros da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), onde estuda, deixando as madeixas de lado.

Decidida, ela pediu as dois amigos que fizessem o serviço. Em poucos minutos estava sem um fio de cabelo. “Sempre tive vontade de raspar a cabeça. Uma amiga da família que tinha a cabeça raspada e, para mim, ela era a negra mais linda do universo. Acho que foi daí que tirei o referencial de que, para ser bonita, não precisava ter cabelos compridos”, disse, ao contar que em outubro de 2012, quando fez os dreads, já havia pensando que, quando fosse tirá-los, iria raspar a cabeça.

Livre do cabelão, Luana descobriu um novo mundo. Notou que, na cabeça de muita gente, quem não tem cabelo é, necessariamente, doente e, pior, luta contra algum tipo câncer. “Ontem vieram perguntar se eu estava doente”. Como mulher, jovem, bonita e atraente, ela também se deu conta de que havia, sem querer, “desaparecido”.

A "carequinha" da futura bióloga.
A "carequinha" da futura bióloga.
Cabelão chegava ao meio das costas.
Cabelão chegava ao meio das costas.

Diário de uma carequinha - O novo visual foi uma experiência tão curiosa e única que a acadêmica, diante das reações, esperadas e inesperadas, resolveu criar uma espécie de diário no Facebook. O primeiro post foi escrito no dia 13 de maio.

“Ainda não faz uma semana que raspei a cabeça e já notei como as coisas ficaram diferentes. Acho que, ao contrário de Sansão, que perdeu seus poderes quando cortou o cabelo, eu acabei ganhando um poder: a invisibilidade. Meninas, vocês sabem o que é passar em frente uma grande construção e nenhum pedreiro gritar? Pois é. [...] Nem me notaram de vestidinho e produzida na maquiagem.

O poder de invisibilidade também funciona em rodinhas de homens. É só passar por uma que todos se calam e ninguém ousa olhar pra mim. Divertido. Mas percebi que pessoas dentro do supermercado e crianças são imunes ao meu poder. Esses olham mesmo.

A diferença é que as crianças acham legal e sorriem. Já os adultos fingem que não viram, ficam envergonhados se olho para eles enquanto eles admiram a carequinha. Nessa semana também teve gente com medo de vir falar comigo, achando que eu estou com câncer, mas, mais uma vez, repito: minha saúde está ótima”, escreveu.

Ainda mais acostumada com as interrogações e com os olhares curiosos, alguns de espanto, Luana continua compartilhando a experiência de viver careca.

O segundo post foi publicado nesta terça-feira (12). No texto, ela agradece àqueles que curtiram as fotos que mostraram o novo visual, reforça que está feliz com a decisão e prossegue com as observações.

“Na verdade eu queria dizer como me sinto realizada quando um completo estranho vem me dizer que estou muito bem assim (quando os amigos falam é muito suspeito). Nesse tempo todo nenhuma vez me arrependi e cada vez curto mais a ideia de ficar carequinha. Hoje já me olho no espelho e em fotos e não estranho mais.

A fase dos dreads.
A fase dos dreads.

Outra coisa deliciosa são os apelidos que ganhei: Pinduca, filha do Lex Luthor, Kuririn, Cracolândia, Luana Dieckmann, Luana Spears, Dalai Lama, Tio Chico, Mestre dos Magos. E quando coloco o lenço também tem: Jade [...], Madre Teresa... Adoro os apelidinhos e todas as novas experiências que o cabelinho está me dando”.

Para a menina que nasceu em Amambaí, a atitude radical tem a ver com uma mudança interior que precisava ser exteriorizada e vivenciada. O novo ambiente de estudo, a nova vida, colaborou com isso. 

“A universidade realmente nos ensina muito mais que apenas didática. Teve também o fim de um namoro que me marcou muito... Pessoas novas que conheci. Os dreads simbolizavam a nova maneira de viver que eu estava tendo, o contato com a biologia e esse mundo meio hippie”, teorizou. O ato de raspar a cabeça, completou, veio para representar o momento de mudança. Deixar os dreads de lado também era deixar de carregar o que não achava mais necessário.

Da “loucura”, Luana aprendeu, até agora, que as aparências ditam comportamentos, provocam aproximação ou distanciamento e, é verdade, geram estereótipos. “Ninguém mexe com mulher sem cabelo. As pessoas sentem medo de falar com quem tem câncer. [...] Não me incomodei nenhuma vez. Acho curiosa a reação das pessoas, mas quando me coloco no lugar de pessoas doentes e não é legal”, disse.

Apesar do impacto, causado em um primeiro momento, os amigos de Luana, ao que tudo indica, aprovaram a ideia. Mesmo apoiando, teve quem, perplexo, declarou que nunca teria coragem para pedir um corte com a máquina no zero.

O antes...
O antes...
E o depois.
E o depois.

Outros, com espírito aventureiro, se entusiasmaram com a atitude ousada da futura bióloga. A jornalista Aline Lira, de 24 anos, é uma das “doidas”. “Eu ainda sonho em um dia fazer isso. Só não tomei coragem. Tenho receito de não ficar legal, mas confesso que a vontade é maior. Fico imaginando colocar lenços e tal, sem contar que acho bonito o estilo”, confessou.

Aline também gostou do “diário virtual” e diz que, pela visão poética e generosa com que os fatos são narrados, dá ainda mais vontade de cometer a “loucura”. "Quero um dia pintar todo de azul. Como a química acaba com o cabelo, penso em raspar depois, assim realizo três desejos: pintar o cabelo de azul, raspar e, por fim, ver como fico com o cabelo bem curtinho", contou.

A jornalista, a exemplo da amiga, nem se importa com uma possível “invisibilidade”. “Acredito que quando se raspa a cabeça esse negócio de ser assediada deve reduzir mesmo. Eu nunca gostei que mexessem comigo. Elogio eu gosto, mas cantadas nunca fui fã. Por isso, acredito que se a careca faz parte do estilo da pessoa e ela se sente bem com isso o resto passa batido. Com o tempo a pessoa se acostuma”, declarou.

Luana, claro, pensa da mesma forma e, convicta, sentencia: “Mulher bonita é aquela que a gente gosta. Para sermos bonita precisamos estar bem”. Alguém discorda?

Nos siga no Google Notícias