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Comportamento

Entre o medo e a coragem, Sherry aprendeu a viajar sozinha e o mundo virou casa

Artesã aproveitou convite da China para desvendar o mundo lá fora na sua própria companhia

Paula Maciulevicius | 02/01/2017 06:10
"Eu tinha vontade de viajar sozinha, mas não tinha coragem. Como que eu ia chegar numa praia e sentar lá sozinha e depois jantar?" (Fotos: Arquivo Pessoal)
"Eu tinha vontade de viajar sozinha, mas não tinha coragem. Como que eu ia chegar numa praia e sentar lá sozinha e depois jantar?" (Fotos: Arquivo Pessoal)

O medo e a coragem andavam junto com Sherry o tempo todo e foi entre estes dois sentimentos que ela fez as malas para a primeira viagem sozinha. Embarcou para os Emirados Árabes e a China em outubro de 2015. Foram 16 dias divididos entre dois países, diferentes culturas e a sensação de se empoderar.

Assistente social de formação e artesã, vontade de viajar sozinha ela sempre teve, mas o pontapé veio de um convite para expor as bonecas de pano que ela cria na maior feira comercial da China. Desde pequena Sherry já se mostrava diferente, era apaixonada por viagens e pela liberdade de ter tudo o que precisa dentro de uma mochila.

"Quando eu era pequena meu pai perguntava para mim e para a minha irmã o que a gente queria ser quando crescesse. Ela falava professora universitária e ela é. E para mim? Eu dizia hippie, porque queria viajar o mundo e ter um jipe amarelo", conta aos risos.

Sherry Maia cresceu, ainda não tem o jipe, mas transformou seu talento num trabalho libertador. Tendo uma máquina de costura ela pode vender sua arte na praia, na montanha e até no Oriente Médio. 

"Os momentos mudam a gente, se a gente deixar, porque você tem que se entregar".
"Os momentos mudam a gente, se a gente deixar, porque você tem que se entregar".

A viagem - "Eu tinha vontade de viajar sozinha, mas não tinha coragem. Como que eu ia chegar numa praia e sentar lá sozinha e depois jantar?" lembra dos questionamentos que fazia para si mesma. Foi lendo muitos blogs e relatos de mulheres que viajam só que ela foi tomando coragem.

Depois veio o lado financeiro e a ausência do inglês. Em contrapartida, o destino providenciou um convite que não só se tornou irrecusável. Aquele era o momento dela fazer as malas e se jogar no mundo.

"Na China eu teria suporte para conhecer o comércio exterior. Era a maior feira do mundo e eu nunca tinha pensado em ir para lá", conta. O primeiro país que ela queria conhecer era os Estados Unidos. "Eu já estava com isso de viajar sozinha, então vou, mas vou gastar todo o dinheiro que eu tenho juntado", acrescenta.

As economias dariam bem para quitar o carro ou ainda dar entrada num apartamento, mas a vontade de usar o dinheiro consigo mesma era tão forte que quando cogitou desistir, Sherry sentiu como se estivesse se traindo.

A viagem tinha uma parada nos Emirados Árabes. Era a chance - talvez única - de conhcer Dubai. E ela encarou assim mesmo. "Quanto custa um visto? Eu não sei se eu vou poder voltar, então comprei todos os passeios".

Eram duas culturas totalmente diferentes. No primeiro país, muçulmano, onde a mulher não é valorizada, Sherry sentiu o impacto da diferença. "Cabelo solto e comprido eles não gostam. De ver ombros também não e nem as bolotas do joelho", descreve. E quando os termômetros marcavam 44 graus, ela saía com o corpo todo coberto.

"Eu aprendi isso. Respeitar onde você está".

"Eu estou sozinha. Essa é a minha viagem e eu vou fazer dela a melhor da minha vida até agora."
"Eu estou sozinha. Essa é a minha viagem e eu vou fazer dela a melhor da minha vida até agora."
"O mundo é a minha casa e a gente tem que se sentir dentro do mundo".
"O mundo é a minha casa e a gente tem que se sentir dentro do mundo".

A comida já era diferente desde o avião e de lá ela embarcou para China, onde os passeios eram escolhidos no "mamãe mandou". "Era tudo em mandarim. Eu não sabia se ia para montanha ou praia. Eles vinha me buscar e eu não sabia para onde estava indo", recorda. A surpresa também fazia parte do roteiro.

O dinheiro não foi gasto e sim investido. Dos lugares onde passou, Sherry não comprou nada. Aprendeu a dar um significado diferente às viagens. "E as vivências, você se comunicar com o outro é demais. Eu gravava áudios no quarto contando e chorava", fala. 

Uma dessas experiências incríveis aconteceu na volta do deserto, um lugar que a artesã garante que viveu para ver de perto. "Pus um vestido longo de alcinha, estava cheia de xales e quando saí do táxi e entrei no hotel, vi um cara com a esposa. Ele estava de jeans, camiseta agarradinha, era todo musculoso e ela só com os olhos de fora e uma criança. Aquilo foi um choque para nós duas. 

Ela olhou para mim e eu olhei para ela. A gente se chocou e ali trocou uma informação. Era uma comunicação no olho e a gente se colocou no lugar uma da outra. 'Nossa, como deve ser você'? 'Deve ser ruim estar no seu lugar' eu pensei e ela também podia estar pensando isso", refletiu Sherry.

O encontro onde ninguém trocou uma palavra e nem o sorriso da muçulmana podia ser visto, ficou eternizado no coração da viajante. 

Já na China, o desespero foi a chegada no aeroporto. Pelo menos três horas até conseguir sair da imigração. "Lá eles são muito carentes e sofridos de guerra. Eu era a única ruiva, eles me olhavam", conta. 

Viajar sozinha é refletir a cada passo e quando isso começava a florescer na cabeça de Sherry, ela escrevia. "Quando você viaja sozinha você tem a sua própria companhia. Seu instinto de sobrevivência. Você se cuida melhor, se conhece melhor. Você conhece pessoas que não conheceria se estivesse com um namorado ou uma amiga que não quer", compara. 

Não é que todas as viagens que Sherry fez e ainda fará serão assim. Mas a experiência é maravilhosa. "É única. É você sentir e descobrir que o mundo é a sua casa, é você desvendar o mundo na sua própria companhia", descreve. 

"De solitária, eu não tenho nada. Carrego uma paixão enorme por novos lugares, novas pessoas e a minha próxima viagem também vai ser a melhor da minha vida".
"De solitária, eu não tenho nada. Carrego uma paixão enorme por novos lugares, novas pessoas e a minha próxima viagem também vai ser a melhor da minha vida".

Reflexões que dariam um livro - Colecionando aventuras. Era assim que se sentia Sherry. Depois de se divorciar, ela passou a perceber o quanto ficava dentro de casa. E pela viagem descobriu um outro sentimento de pertencer ao mundo lá fora. "O mundo é a minha casa e a gente tem que se sentir dentro do mundo".

Muita gente por aí acha mesmo que quem viaja sozinho é porque não tem companhia. Quando na verdade é que a gente não quer outra pessoa que não seja nós mesmas. O medo de viajar foi superado com muito planejamento. "Nos momentos de horas vagas eu pesquisava. Não ficava vendo a vida dos outros no Facebook. Você não precisa de muito dinheiro, compra a sua passagem na promoção, pega o número do consulado, anota uns contatos e vai", incentiva. 

O inglês dela era o mais básico do mundo. O suficiente para entender o quanto custavam as coisas e o senso de direção para se chegar aos lugares. 

E a volta? Os 16 dias pareceram anos de aprendizado. "Você volta diferente. Voltei menos consumista e aprendi que a cada viagem de trabalho, eu vou um dia antes e volto um depois, porque eu vejo o que eu quero fazer. Aprendi a fazer isso com o tempo". 

Como um mantra, Sherry escreveu e repetia para si mesma: Eu estou sozinha. Essa é a minha viagem e eu vou fazer dela a melhor da minha vida até agora. Viajar sozinha é muito bom. De solitária, eu não tenho nada. Carrego uma paixão enorme por novos lugares, novas pessoas e a minha próxima viagem também vai ser a melhor da minha vida".

"Viajar sozinha é a maior imprevisibilidade da vida. Eu me vi de um jeito que ninguém nunca me enxergou. Eu não achava que eu era capaz. Eu simplesmente fui".

"Os momentos mudam a gente, se a gente deixar, porque você tem que se entregar". Como Sherry fez. 

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