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Comportamento

Filha de pais cegos, Raianny de 8 anos tem o dom de viver em dois mundos

Thailla Torres | 17/05/2017 08:39
A menina sabe que os pais não enxergam, mas para ela a deficiência é só um detalhe. (Foto: Marina Pacheco)
A menina sabe que os pais não enxergam, mas para ela a deficiência é só um detalhe. (Foto: Marina Pacheco)

Desde pequena Raianny Luanny Santana Garcia, de 8 anos, tem certeza que a única diferença entre ela e os pais, é a visão. A menina leva uma vida normal com exceção da habilidade de encantar todos no mundo visual e dos cegos. Pequena no tamanho, mas de coração grandioso, ela é os olhos da mãe e do padrasto só em momentos de urgência, fora disso, eles fazem questão que a menina prove da própria independência.

A mãe, Luzia de Alcantara Santana, de 31 anos, é cega desde os 15. Nasceu com problema na visão e enxergava com dificuldade até a adolescência, mas uma infecção a deixou sem enxergar para vida toda.

"Eu não conseguia ver nada de longe, mas tinha muito medo de hospital e cirurgia. Acabei me escondendo e não falando à minha mãe sobre as dores, com o tempo a visão foi piorando", descreve.

Luzia faz de tudo para que a filha leve uma vida normal. (Foto: Marina Pacheco)
Luzia faz de tudo para que a filha leve uma vida normal. (Foto: Marina Pacheco)

Quando a escuridão passou a fazer da rotina de Luzia, ela desvencilhou do sofrimento só pensando em ser feliz. O começo não foi fácil, admite, mas precisava lutar para sorrir na vida que tinha pela frente. O apoio e os cursos que encontrou no Ismac (Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florisvaldo Vargas) ajudou na lida com a cegueira, aproximou Luzia do trabalho e do esporte. E, quando menos esperava, precisou de amparo quando descobriu que estava grávida de Raianny.

"Quis me readaptar logo para ter minha independência. Não via a hora de ser maior de idade para aproveitar a minha vida. Mas foi quando eu estava num ritmo intenso nos esportes que eu comecei a engordar e muita gente falou que eu estava grávida. Na época eu nem imaginava, porque tomava o anticoncepcional, mas quando fiz o exame veio a surpresa", lembra Luzia.

A certeza da gravidez mudou a rotina de Luzia, preocupada com os cuidados que são necessários com uma criança. Mas o maior desafio foi ouvir os que enxergam e acreditam que pais cegos são incapazes de criar um filho nas mesmas condições.

"Eu ouvi muita coisa. Diziam que eram um absurdo alguém ter tido relação assim com uma mulher cega e como eu seria capaz de cuidar de uma criança. A minha sorte é que o pai dela e a família me ajudou muito na época. Tive força para trazer ela ao mundo e hoje ela é tudo pra mim".

Para cuidar de Raianny, a mãe admite que alguns cuidados foram especiais. Dentro de casa, a decoração é mínima e os móveis sempre foram altos, para que a criança nunca se machucasse. "Sem enxergar, eu tinha medo que ela encostasse em algo e as coisas caíssem. Então a gente sempre teve esse cuidado". 

Há três anos Luzia é casada com Valdir Antônio Lestosa, de 41 anos, padrasto de Raianny que também é cego. Para ele, apesar da preocupação, a forma como a enteada se adapta ao mundo deles é um processo natural, capaz de deixar qualquer um orgulhoso.

E a filha se orgulha de ter uma esportista e merendeira. (Foto: Marina Pacheco)
E a filha se orgulha de ter uma esportista e merendeira. (Foto: Marina Pacheco)

"É porque ela vive muito bem e com maturidade nos dois mundos. É claro que algumas coisas tivemos que adaptar, como por exemplo a nossa comunicação apenas por voz. Sempre explicamos que não se pode responder com gestos e a cabeça porque não vamos entender. Algumas manias também foram deixadas de lado, como não esquecer de fechar a porta e a gaveta do armário para que nenhum de nós três se machuque", explica.

E assim o casal cuida de Raianny sozinho. A menina estuda em uma escola pública no Centro de Campo Grande e se orgulha muitos dos pais. "Minha mãe é até merendeira numa escola, sabia?", conta cheia de empolgação. 

Aos 8 anos, quer ser artista e reconhecida como os pais que são esportistas na Capital. Ela sabe que os pais não enxergam, mas para ela isso nunca atrapalhou e dá risada dos amigos da escola. "Às vezes eles me perguntam como é que a minha mãe cozinha sendo cega, mas eu falo que ela só tem isso de diferente e aprendeu a cozinhar como qualquer um", explica.

Como toda criança, também faz travessuras e até tenta enganar os pais quando está fazendo arte. "Tem hora que é teimosa e rebelde, como qualquer criança. Mas a gente ensina que não pode mentir. Às vezes percebo que ela está muito quietinha, sei que está aprontando, mas ela diz que não está fazendo nada. Sabe como é criança, né", conta a mãe.

E se Raianny ajuda? E muito, mas os pais fazem de tudo para não dar responsabilidades demais para a idade dela. "Ela gosta de me ajudar na cozinha, já lê as contas pra gente e até ensinamos sobre o caixa eletrônico. O resto ela faz tudo que uma criança faz e não é uma coitadinha como muita gente pensa, nossa filha não é sobrecarregada, apenas confiamos nela quando nos ajuda", diz a mãe.

Juntos vão ao cinema com Raianny que após o filme faz questão de descrever as cenas. Todo ano tentam ir à praia para ela se divertir e com a deficiência provam, que a falta de visão nunca atrapalhou a relação familiar.

"O fato da gente não enxergar aumenta o medo e o receio, mas a gente não deixa essa pressão abalar nossa felicidade. Viver ao lado da Raianny é uma troca de experiência e ela é igual a todo mundo, temos uma diferença, mas ela sempre foi livre para viver o mundo dela", diz Valdir.

Luzia que nunca viu o rosto da filha, descreve a beleza de Raianny com admiração. "É uma menina linda, com cabelos castanhos e ondulados. 

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