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Comportamento

Lésbica, Francisca comeu o pão que diabo amassou porque decidiu ter dois filhos

Hoje, ao lado do filho, ela tem um escritório de auxílio para gestantes que foram demitidas

Thaís Pimenta | 21/05/2018 08:12
Francisca Belo sempre soube de sua orientação sexual e contar para os filhos foi natural. (Foto: Paulo Francis)
Francisca Belo sempre soube de sua orientação sexual e contar para os filhos foi natural. (Foto: Paulo Francis)

Há 52 anos, Francisca Belo nasceu lésbica. Na pequena cidadezinha de Exu, no interior de Pernambuco, terra de Luiz Gonzaga, aos sete anos ela já tinha certeza de que era diferente das outras meninas. No início da adolescência, viveu um romance escondido com uma prima, apesar da família tradicional. Mesmo homossexual, sonhava em ser mãe, mas o preço costuma ser bem alto para uma lésbica.

Financeiramente, a mulher duro na queda conseguiu se estabelecer ajudando outras mães. Hoje toca um escritório de auxílio para gestantes que foram demitidas, ao lado do filho, formado em Direito.

A vida complicada levou Fran a se preocupar com a sobrevivência de outras famílias.

Numa fase de descobertas, ela perdeu a virgindade com um rapaz, aos 20 anos, e engravidou de primeira. O filho mais velho, hoje músico Begèt de Lucena, nasceu. O pai do menino sumiu e nunca mais foi visto. A jovem teve que enfrentar tudo e todos para conseguir criar o pequeno. Se ser mãe solo hoje em dia é difícil, imagine em uma cidade do interior nordestino naquele tempo. Desgosto, essa palavra define como Fran passou a ser definida pela família, especialmente, pelo pai, Damião Sabino, que fez de tudo pra deixar isso bem claro para a filha.

A família não soube, na época, da orientação sexual de Fran, que fazia de tudo para esconder a homossexualidade. "Ser mãe solteira foi um pesadelo, ao contrário de ser lésbica, por incrível que pareça, mas acho que porque eles não souberam na época", diz ela.

Nos relatos de Fran, o pai mais parece personagem de novela mexicana. "Ele era um homem mau e meus irmãos apoiavam as maldades que ele fazia. Pra ter uma ideia, era cadeirante porque mandou dar um tiro em minha mãe para ele poder ficar com amante que tinha. Ganhava meio litro de leite da família e, para render para o meu filho, eu completava com mais meio litro de água, isso pra se ter uma noção do que eu e Begèt passamos".

Maria, Fran, Bèget e Benjamin, o netinho da família. (foto: Acervo Pessoal)
Maria, Fran, Bèget e Benjamin, o netinho da família. (foto: Acervo Pessoal)

A vergonha da solterice de Fran era tão grande que até casamento arranjado o pai organizou. E foi desse relacionamento que nasceu a primeira filha de Francisca, Maria Neta. "Foi um relacionamento de fachada meu e dele. A gente ficava junto e se separava e nessa foram alguns anos". Com mágoa da família, que claramente só aceitava os filhos bens sucedidos, a mãe quis se isolar e em Campo Grande encontrou refúgio, longe de todas as memórias negativas que a assombravam.

Aqui, trabalhou como faxineira, governanta, auxiliar de cozinha, para conseguir bancar os filhos. "Fiz de tudo. Cheguei aqui com Begèt e Maria nos braços, ele com cinco anos e ela com três, sem nada no bolso. Foi uma verdadeira batalha até eu me firmar, mas sempre fui assim, sem medo. Tinha uma meta viva nos braços".

Foi como governanta que Fran conseguiu dinheiro para montar a primeira casa da família. "Na época, eu ganhava bem no cargo, eram cerca de R$ 1.200 por mês, muito para aqueles tempos".

Depois que se estabeleceu na cidade, Francisca conheceu a primeira namorada. Foi o primeiro relacionamento com liberdade de assumir a homossexualidade para o mundo. Naturalmente, a mulher começou a frequentar a casa da família e, então, chegou a hora de contar para os filhos: "sou lésbica".

"Eu fui dizer a eles. Maria e Bèget falaram que já sabiam que ela era minha namorada. Foi assim, sem trauma nenhum", completa ela. O relacionamento acabou, mas serviu para aproximar a mãe dos filhos e acabar com os segredos não ditos entre eles. 

O amor bateu à porta por mais duas vezes. Na primeira delas, exigiu que Francisca vivesse na ponte aérea Campo Grande e Curitiba por cerca de dez anos.

Silvana e Francisca estão namorando há cerca de três anos. Moram e trabalham juntas. (Foto: Paulo Francis)
Silvana e Francisca estão namorando há cerca de três anos. Moram e trabalham juntas. (Foto: Paulo Francis)

Hoje, Francisca está casada com Silvana, uma mulher que vive aos seus 40 anos a experiência de se relacionar pela primeira vez com outra mulher, e que também é mãe de dois. "A Fran tem uma história de vida linda. Isso que ela conta não é nem metade do que a gente sabe", pontua a esposa, admirada com a garra da companheira.

Depois de mais de 15 anos sem ver o povo do nordeste, ela planeja uma viagem no fim do ano para rever quem sobrou por lá, e acompanhar o casamento de uma sobrinha. Damião já faleceu e, inclusive, ela foi vê-lo enquanto estava mal. "Eu ainda tinha mágoa dele. Hoje não tenho não. Mas dizer que eu sinto saudade de quem ele foi é uma mentira também. Aquele homem era mal. No fim acho que ele conseguiu enxergar isso porque já amava meus filhos antes de partir", brindam as duas.

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