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Comportamento

Letícia é a transexual que foi expulsa da favela e hoje constrói seu próprio lar

Thailla Torres | 11/06/2018 07:56
Sempre sorrindo, Letícia levanta todos dias disposta para construir a própria casa. (Foto: Saul Schramm)
Sempre sorrindo, Letícia levanta todos dias disposta para construir a própria casa. (Foto: Saul Schramm)

Empurrando um carrinho de mão cheio de terra, Letícia Magalhães contagia até quem não a conhece. Talvez pelo sorriso radiante, quem sabe pela vaidade de quem mantém as unhas coloridas e o batom rosa intactos apesar do trabalho duro. Aos 33 anos é a única mulher transexual no mutirão para concluir casas no Bom Retiro, região da Vila Nasser, em Campo Grande.

Depois de anos morando de favor e dos desafios de sobreviver na favela, a alegria de erguer uma casa com o próprio suor põe fim as lembranças de um tempo difícil. Letícia recorda que por ser transexual já foi expulsa da Cidade de Deus, na região do Dom Antônio Barbosa, enfrentou a rejeição da família e sobreviveu nas ruas com a prostituição.

O semblante alegre prova que hoje a rotina é outra. "Levanto cedo, me arrumo e venho trabalhar. Não tem coisa melhor que eu faça no meu dia". Nos fins de semana, Letícia tira folga da construção civil e se dedica como manicure e cabeleireira.

Durante a semana o trabalho é feito no Bom Retiro e os fins de semana dedicados ao ofício de cabeleireira. (Foto: Saul Schramm)
Durante a semana o trabalho é feito no Bom Retiro e os fins de semana dedicados ao ofício de cabeleireira. (Foto: Saul Schramm)

Há cinco meses, ela é uma das pessoas que foram capacitadas pela Funsat (Fundação Social do Trabalho) para construção das casas. A cada tijolo erguido, vislumbra o sonho de ver a casa pronta e já faz planos para que, com a conclusão, monte um salão de beleza.

Mas o começo nesta nova etapa de vida não foi nada fácil. Letícia bateu de frente com o preconceito dos próprios colegas de trabalho, "eles faziam piadas, tiravam sarro de mim e não me aceitavam. No começo foi bem difícil, tive que lidar com o preconceito quieta", conta.

De cabeça erguida, mas em silêncio, continuou seu trabalho no sonho de que em algum momento, todos percebessem que ela é uma mulher, "foi aos poucos, mas todo mundo parece ter entendido. Eu apenas ignorei e depois de um tempo eles pararam de falar de mim. Hoje todo mundo me conhece e me trata muito bem".

A boa relação com os colegas trouxe de volta o sorriso e a gratidão pelo trabalho, "hoje converso com todo mundo, tenho prazer de levantar e trabalhar na construção das casas".

Letícia também não perde a vaidade. (Foto: Saul Schramm)
Letícia também não perde a vaidade. (Foto: Saul Schramm)

A garra de Letícia parece ter vindo do passado. Como tantas outras trans, aos 6 anos de idade ela já sabia que estava presa no corpo de um menino. "Me sentia muito diferente, era delicada, gostava de coisas totalmente diferentes das dos meninos".

A coragem de se abrir para o mundo veio aos 15 anos, quando decidiu contar para a mãe que era transexual. "Contei, mas ela não aceitou e me expulsou de casa. Foi um momento muito difícil, fui para as ruas e passei a fazer programa".

Foi sentindo na pele as dificuldades de mulheres na mesma situação, que ela decidiu mudar de vida. "Pensei que eu precisava fazer uma coisa diferente na vida, não queria ficar na rua para sempre. Aos 28 anos decidi voltar para a casa da minha mãe".

A distância rompeu com a resistência da mãe que até então não aceitava Letícia. "Ela me abraçou e me acolheu de novo".

Mas pela liberdade, ela decidiu ir morar sozinha na favela, onde não foi aceita pela segunda vez na vida. "Fui expulsa de lá pelos homens que comandavam a Cidade de Deus. Não me deixaram ficar porque eu era assim".

Letícia buscou abrigo em uma associação onde conseguiu o direito de viver em um barraco. Depois se profissionalizou na área da beleza e passou a fazer mega hair pela cidade. Após quatro anos vivendo em uma residência inacabada, veio a oportunidade de viver no Bom Retiro e a chance de erguer uma casa.

Ela prevê terminar a residência até o Natal. Hoje, o sonho da mulher trans na construção civil é construir um salão de beleza na porta de casa e ter um local aconchegante para atender suas clientes, "minha única certeza é que não volto mais para as ruas. Hoje meu sonho é crescer como cabeleireira".

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Hoje, o sonho é ter o próprio salão de beleza na casa que pretende terminal até o Natal. (Foto: Saul Schramm)
Hoje, o sonho é ter o próprio salão de beleza na casa que pretende terminal até o Natal. (Foto: Saul Schramm)
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