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Comportamento

No Otávio Pécora, cada vizinho leva seu prato e cadeira para almoço na rua

Paula Maciulevicius | 23/04/2015 06:25
Há três décadas, os moradores que se mudaram para a última rua do bairro Otávio Pécora, em Campo Grande, vivem como uma família. (Foto: Fernando Antunes)
Há três décadas, os moradores que se mudaram para a última rua do bairro Otávio Pécora, em Campo Grande, vivem como uma família. (Foto: Fernando Antunes)

Da casa 10 até a de número 90. Há três décadas, os moradores que se mudaram para a última rua do bairro Otávio Pécora, em Campo Grande, vivem como uma família, daquelas que fazem um “junta panela” aos finais de semana ou feriados. Debaixo do pé de tamarindo, os anos se passaram enquanto eles esperavam o puchero ficar pronto e a carne assar e hoje, a rua Atobá já está na terceira geração.

Na última quadra, as primeiras moradoras já se tornaram avós ali. E as filhas que antes brincavam juntas, agora veem suas pequenas irem pelo mesmo caminho.

“Ali é a da Marly, do Alair, da Isa, da Taciana, ali tinha uma senhora que sempre participou, mas ela morreu faz uns quatro, cinco anos. Do lado da dona Joana, onde a Amana nasceu e foi criada, a casa da minha mãe, eu também não moro mais, mas vivo aqui”.

Dos 26 anos de vida, Milady viveu todos ali, na rua Atobá. (Foto: Fernando Antunes)
Dos 26 anos de vida, Milady viveu todos ali, na rua Atobá. (Foto: Fernando Antunes)
Sônia diz que vê quanto o tempo passou ao olhar a terceira geração. (Foto: Fernando Antunes)
Sônia diz que vê quanto o tempo passou ao olhar a terceira geração. (Foto: Fernando Antunes)

Quem narra e enumera as casas participantes dos almoços e jantares é Milady Honorato Carneiro Moram. Dos 26 anos de idade, todos vividos na Atobá, já foram muitas as comemorações na rua.

"Hoje se vai ter uma coisa. Ela é a primeira a chegar", brincam as vizinhas com a jovem que deixou a casa da mãe, mas não a rua onde nasceu.

“Primeiro era aqui, a gente fazia o puchero. Tinham duas casas de comodato, uma meus pais que cuidavam e era onde tinha o fogão à lenha. Meu pai fez um puchero e todo mundo gostou. Você sabe como é, né? Começava a fazer 2h da tarde para comer à noite e ele falava para a Isa, uma vizinha, que ia fazer. Ela avisava todo mundo e daqui a pouco começava a aparecer um pacote de legumes, milho, o pessoal ia trazendo o que tinha na geladeira”, descreve Milady.

Para o preparo, os ingredientes vinham cada um de uma casa. Na hora de por à mesa, as cadeiras e os pratos também saíam de cada uma das residências. Para não sobrecarregar ninguém, tudo sempre foi dividido. Do prato à vida.

O último churrasco foi realizado no domingo que passou, mas o próximo já tem data marcada, para comemorar o Dia das Mães. (Foto: Arquivo Pessoal)
O último churrasco foi realizado no domingo que passou, mas o próximo já tem data marcada, para comemorar o Dia das Mães. (Foto: Arquivo Pessoal)

“O Otávio Pécora é um residencial que foi feito para financiamento de funcionário público. Aí a maioria da população nunca mudou daqui”, explica a servidora, Sônia Honorato Carneiro, de 56 anos, mãe de Milady. Moradora desde 1982, foi quem se mudou exatamente no primeiro dia após a inauguração. “Eu brinco que nem estava precisando da casa né?”

Desde o primeiro dia ali, enquanto fazia a mudança, a vizinha da rua de cima ofereceu o almoço. O convite parece ter aberto as portas do que aconteceria no futuro. Talvez uma espécie de corrente do bem que circula por ali.

A mais falante das moradoras, que parece ser a empresária Marly Nogueira Faria Amorim, de 53 anos, chegou ali com dois anos de casada e um filho pequeno, em 1984. E foi na Atobá que teve o segundo menino. “Aqui sempre foi assim e cada um cuida da parte que fica em frente à sua casa”, explica. É que onde era comodato, depois de retirado pela Prefeitura, se tornou área verde com árvores, frutas e até uma hortinha.

A responsabilidade de colher ficou a cargo do marido de Isa. A vizinha não estava na entrevista, mas parece ter papel fundamental, porque foi citada diversas vezes pelos moradores. O marido dela, depois de décadas no Japão, onde não se vê o verde na proporção vivida aqui, se encantou pelo espaço. O resultado é distribuído em sacolas deixadas no portão de cada um.

Segundo as vizinhas, o casal não fala nada. Só deixa uma porção de cebolinha, salsinha e quando dá, uma penca de banana.

Marly lembra que cada um cuida da sua parte da área verde, correspondente à frente de sua casa. (Foto: Fernando Antunes)
Marly lembra que cada um cuida da sua parte da área verde, correspondente à frente de sua casa. (Foto: Fernando Antunes)
Crianças passeando de carroça quando o senhor ia trabalhar na rua. (Foto: Fernando Antunes)
Crianças passeando de carroça quando o senhor ia trabalhar na rua. (Foto: Fernando Antunes)

De amigo oculto, festa junina, aos bailinhos de Carnaval, como à época o bairro acabava ali, só entrava na Atobá quem realmente morasse ali. Então era fácil “fechar” a rua para fazer festa ou simplesmente por a conversa em dia.

“Aqui chegava 3, 4h da tarde, a gente sentava para as crianças brincarem e ficava conversando até umas 5h30, a hora que os maridos chegavam, entrava todo mundo”, lembra a acadêmica de Serviço Social, Ângela Maria Carvalho Migueis, de 46 anos.

O último churrasco foi realizado no domingo que passou, mas o próximo já tem data marcada, para comemorar o Dia das Mães, em 24 de maio. O cardápio passou a ter carne assada quando um dos vizinhos, seu Ari, marido de Sônia, ganhou uma churrasqueira a bafo tamanho família. Parece ter sido presenteada especialmente para a rua. Então é só cada um levar seu pedaço de carne, juntar arroz, salada e mandioca e a vontade de estar junto.

Quando questionadas sobre o que se tornaram, entre si, com o passar do tempo, a resposta é unânime em dizer "família" e na rua. Hoje a tecnologia já proporcionou facilidades e não precisa um bater à casa do outro para combinar o almoço. É tudo pelo grupo de WhatsApp da Rua Atobá.

"Aqui se a gente for te contar todas as histórias, dá duas matérias. Quando me dei conta que o tempo passou? Quando os nossos filhos começaram a ter filhos. Aí parece que eu voltei no passado. É essa a sensação que eu tenho, de que o tempo voltou", brinca a moradora Sônia.

No final da entrevista eu já queria morar ali. Ser vizinha delas também. O convite para o próximo churrasco ficou e quando pergunto do mês de junho, se não rolaria uma festa junina da rua, elas já concordam. "Assim que vai surgindo: 'do vamos fazer?'", concordam todas.

Hoje a Atobá já está na terceira geração, são os filhos das filhas que cresceram ali. (Foto: Fernando Antunes)
Hoje a Atobá já está na terceira geração, são os filhos das filhas que cresceram ali. (Foto: Fernando Antunes)
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