Para enfrentar o câncer, Patrícia resolveu dançar até na quimioterapia
Sem papas na língua, ela conta que transformou dor em alegria e que não leva desaforo para casa
Acho que você tem dois caminhos: se esconder ou mostrar para a doença que você é mais forte que ela. Eu tenho câncer, mas ele não me tem.”
A frase acima é de Patrícia Laurent Boecker Campos, de 46 anos, que resolveu usar o que ela mais gosta em si mesma, a alegria, para lidar com os tumores malignos que se espalharam pelo corpo, . Ela decidiu sorrir como forma de lutar contra a doença e postar vídeos dançando durante momentos que muitos encaram como delicados nas temidas quimioterapias.
Com ritmos variados que fazem sucesso no Tik Tok, ela contagia e coloca todos para dançar. A ideia dela é levar descontração e leveza para os lugares que carregam tanto peso e silêncios.
Bem-humorada, ela abre as portas de casa para contar de onde vem tanta alegria e o que a faz manter o otimismo. As respostas são certeiras e sem rodeios. Para ela, o câncer não deixou escolha senão enfrentá-lo de frente. No caso dela, com as armas que ela já conhecia.

“Eu sempre fui muito vida, muito alegre, festeira, brincalhona. Quando descobri a doença, não tinha opção, tinha que pegar aquilo que eu já era e transformar a dor em alegria. É difícil? É. Pra mim, não foi tanto. Na época que eu descobri, as coisas eram mais diferentes, as pessoas não metiam a cara na internet como hoje. Aí comecei a mostrar meu dia a dia. Sempre gostei de dançar, todo dia era uma festa. Cheguei e era tudo quieto. Hoje as pessoas sentem falta, dizem que é uma tristeza na clínica quando não vou.”
Vindo do Espírito Santo, Patrícia descobriu o primeiro tumor em 2019. Na época, o marido foi transferido para o Maranhão. A família ficou por lá durante 11 anos, até que ela recebeu o diagnóstico de câncer na mama esquerda. Ela passou por todo o tratamento e, em 2020, precisou fazer mastectomia, no caso dela foi a retirada total da mama.
Ali foi a primeira vez que ela optou por encarar o corte e a falta visível do órgão. Apesar da perda, o assunto, para ela, não é um tabu, tampouco é preciso pisar em ovos para que a conversa aconteça de forma natural.
“Sou desligada nessa questão de vaidade, sempre fui, e é um ponto crítico isso, principalmente na mulher. A questão de não colocar a mama é por ouvir relatos de rejeição. No momento, minha prioridade era a saúde, não queria mexer em algo que estava dando certo. Isso não me afeta em nada. Eu vejo que, na maioria das mulheres, o que pega é o cabelo, depois o peito. O tratamento de câncer hoje é 70% a cabeça da gente. A vaidade mata muito mais que a doença, porque as pessoas acham que será algo permanente.”
Ela conta que a pressão estética e os olhares alheios doem mais que a própria aparência, que fica fragilizada com tantas mudanças. Patrícia não usa perucas ou contorna onde as sobrancelhas costumavam estar. Por escolha própria, ela resolveu não fazer o que as pessoas esperavam que ela fizesse ou agisse.
“Você fica sem fazer unha, seu cabelo cai, você se sente feia, mas vai passar. O olhar dos outros mata, a pessoa não quer sair de casa. Eu recebi lenços, perucas, mas não uso porque isso seria mais para os outros que para mim. Não vou fazer isso. Eu danço e sorrio. O câncer não é mais uma sentença de morte. Antigamente, sim. Eu sou uma paciente paliativa. Não significa que vou ficar ali esperando a morte, mas que vou continuar sempre em tratamento. Antes, você era paciente terminal.”
Depois da cirurgia, ela ainda precisou de mais um ano de tratamento. Em maio de 2022, uma dor nas costas foi motivo de uma ida ao médico. Ali, no susto, descobriu que o câncer havia se espalhado para o pulmão e o fígado. Exames mais específicos apontaram também a presença de câncer nos ossos. A cada novo exame, surgiam novos pontos da doença em diferentes partes do corpo.
Dois anos depois, mais uma surpresa: um nódulo na mama direita. A princípio, parecia um cisto, mas o formato irregular chamou a atenção do médico. Não era redondo e não tinha as características de um cisto comum.
O diagnóstico veio com força: câncer triplo negativo, um tipo muito mais agressivo que o anterior. Em julho, ela passou por nova cirurgia e, mais uma vez, recusou a prótese mamária. A quimioterapia, antes administrada por via oral, passou a ser venosa.
Em novembro de 2024, durante uma mamografia de rotina, surgiram novos cânceres, dessa vez na cabeça. Eram, ao todo, 9 lesões. Quatro delas eram pequenas e desapareceram com o tratamento.
Durante os seis anos que enfrenta a doença, ela tem história para contar. Uma delas acontece fora do hospital.
“Já recebi olhares, mas pra mim eu dou gargalhada. Uma vez, no Maranhão, uma senhora falou, em uma fila de supermercado, que as sapatonas estavam demais, porque além de ser sapatão, agora elas raspavam o cabelo. Eu olhei e cocei meu saco imaginário.”
Outra vez o caso foi mais sério, já no ambiente hospitalar. “Uma criança estava perto de mim e a mãe puxou ele como se eu tivesse uma doença contagiosa. ‘Fica perto de mim, você não sabe o que ela tem’. Falei para ela que a doença dela era bem pior que a minha. Eu respondo tudo, não deixo barato".
Amparo
A família pequena, composta por marido e filhos, é o amparo que ela pode contar na Capital sul-mato-grossense. Aliás, no dia 17 de junho, ela e o marido, Gervásio da Silva Campos, completam 17 anos de casamento. Mas a história entre os dois começou muito antes disso, há 26 anos, ainda na adolescência.
Eles se conheceram jovens, perderam o contato ao longo do tempo e só voltaram a se falar uma década depois. Quando se reencontraram, ele já estava casado. Na época, ela decidiu seguir outro caminho e foi para Portugal jogar bola. O reencontro foi anos depois.
“Nos reencontramos no Orkut. Ele foi para minha cidade lá, viu meu irmão e me mandou mensagem. Me perguntou se eu estava casada e disse para eu voltar pro Brasil que ele iria casar comigo. Voltei e ficamos 9 meses assim. Fui morar com ele e casamos em seguida”, conta.

Outra pessoa que também ajuda ela é o filho mais novo, de 12 anos, Aquiles. Devido ao longo período de quimioterapia, Patrícia acabou desencadeando epilepsia convulsiva. É ele que passa mais tempo ao lado da mãe.
“É só eu e ele. Ele me cuida. Quando tenho crise epiléptica, é ele que cuida, me dá remédio, me vira, puxa minha língua, fica monitorando o tempo para chamar ambulância se passar de 2 minutos. Ele sabe todos os remédios, fazer a glicose, oxímetro. Ele é meu companheiro.”
Viver e morrer
A vida, para Patrícia, oscila e ela descreve como uma roda-gigante de incertezas. Assim como muitos, ela se prepara para deixar a vida todos os dias, mas sempre atenta ao presente e ao que ainda pode ser feito.
A doença te mostra o que realmente importa: abrir a janela e sentir o vento. A vida foi feita para viver, e é você que escolhe como vive, não importa como. Ela é para viver. Tem gente que sobrevive. Hoje sinto que sobrevivo para continuar vivendo. Você não tem opção. Quem vai escolher a forma de passar por isso para ficar menos dolorido é você. Eu já era vida e alegria antes do câncer. É como eu falo: o açúcar estava no fundo, bora mexer que vira caipirinha.”
Sobre a morte, ela conta não temer o dia, mas lamenta que os parentes e a família não estejam ,e nem estarão, preparados para isso.
“Eu planto uma sementinha todos os dias. Hoje eu poupo meu filho porque ele já sofreu muito. Já fui entubada, aí veio a pandemia. Meu marido também sofreu muito, mais que eu em alguns momentos. Ele ficou desesperado. Temia, e ainda tem medo, do dia que eu falar que não quero mais me tratar. Deus age de várias formas. Eu falo que ele me usou através da minha alegria. É difícil? Muito! Tem dia que não quero levantar ou falar com ninguém, mas logo o sorriso volta.”
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