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Comportamento

Pedreiro transformou o bar onde vendia pinga em loja de material de construção

Paula Maciulevicius | 21/07/2014 06:53
 Do balcão, ouvia e anotava os pedidos dos clientes que iam além das doses de cachaça. Na lista tinha tijolo, pedra, areia... (Fotos: Marcos Ermínio)
Do balcão, ouvia e anotava os pedidos dos clientes que iam além das doses de cachaça. Na lista tinha tijolo, pedra, areia... (Fotos: Marcos Ermínio)

Parece que o ‘seo’ Sabiá sabia muito mais do que assoviar. De chinelo no pé, calça, camisa e chapéu, lá vem um senhorzinho que de cara já arranca um sorriso da gente. O jeito de falar é simples, demonstra que a experiência de vida não veio do livro e sim da enxada. Dono do depósito que leva seu apelido, na Mata do Jacinto, em Campo Grande, ele já foi pedreiro, serviu copo de pinga e vendeu lata de óleo, tudo ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Do balcão, ouvia e anotava os pedidos dos clientes que iam além das doses de cachaça.

Mirandense, das épocas em que “Pedrossian mandava em tudo por lá”, como prefere assim dizer, Sabiá ganhou o apelido ao assentar os tijolos das obras da vida. Saber, saber da onde veio o nome ele não sabe. Mas agradece por ter ‘vingado’ este. “Tinha outro, era o ‘sem-bunda’. A gente não sabe porque, mas foi de Sabiá, Sabiá e acabou ficando”, explica.

O nome mesmo é Valdemir Santos de Oliveira, mas ninguém o reconhece assim. “Hoje, graças a Deus, você pode perguntar do Sabiá em Rio Verde, Coxim, São Gabriel, Corguinho e Rio Pardo que todo mundo conhece e bem, graças a Deus. A gente anda de peito aberto”, descreve. O que quer dizer que a honra do nome vale mais do que o que consta no registro.

O nome mesmo é Valdemir Santos de Oliveira, mas ninguém conhece Sabiá assim.
O nome mesmo é Valdemir Santos de Oliveira, mas ninguém conhece Sabiá assim.

Ao dizer a idade é que ele se atrapalha. “Tenho 37, não espera, 47. Não, não, é 57” e assim fica, já próximo dos 60 anos ele se abre para compartilhar um pouquinho de sua trajetória.

De pedreiro e dono de bar, ele começou a vender dose de pinga e caixa de cerveja no salãozinho que tinha na Mata do Jacinto. A clientela era a maioria colegas de trabalho que vinham direto do expediente para o happy hour.

“Tinha sempre caixa de pinga e de cerveja. Chegava 5h da tarde, nós arrebentava até 10, 11h da noite. Aí eu bebia também, não é?”, narra. Mas o bar não era só de bebida não. “Chamava Secos e Molhados e era um pronto socorro, porque naquela época Atacadão não abria no domingo, ninguém abria. Então eu sempre tinha uns quilos de arroz, de feijão, óleo. Mulher vinha comprar, homem vinha tomar”, conta.

De 1982 até 1996, a dedicação foi dupla. A jornada era na obra e no bar, até que Sabiá sentiu que o rendimento estava caindo. “Antes eu fazia 480m de reboque por semana, mas fui diminuindo. Com o bar, de manhã cedo eu estava quebrado”, lembra.

“Tudo na vida veio por de trás dos cinco dedos” Ou seja, teve muito trabalho.
“Tudo na vida veio por de trás dos cinco dedos” Ou seja, teve muito trabalho.

Com o dinheiro do acerto passou a investir em manilhas para fossa e prestar atenção às necessidades dos clientes. Como todos eram da construção civil, logo ele percebeu que podia dar mais que a cachaça.

“Eu fui a vida toda um servidor. Às vezes sai uma pessoa que tem uma necessidade e eu vou dar o socorro”, explica.

Das manilhas ele passou a comprar tijolos. A primeira compra foi de 3,5 mil unidades e 10 sacos de cimento. “Eu não tinha tudo, ia anotando o que pediam e ia comprando”, exemplifica. Os clientes eram os próprios pedreiros que comentavam no balcão do bar o que precisavam para o dia seguinte.

“Daí consegui comprar um pick-up e depois uma 4000. Um caminhão caçamba...” e por aí vai. Hoje a história é outra. Os negócios cresceram, duas das três filhas são motoristas dos caminhões e o depósito abastece a cidade inteira.

O “Secos e Molhados” fechou em 96 e desde então é só de material de construção e aluguel de caçamba que vive Sabiá. “Hoje eu atendo doutor, engenheiro, advogado, mas sabe que jornal nunca tinha atendido? Estou até emocionado. Vou lá tomar uma dose de R$ 0,50”, brinca.

Graças à boa saúde e ao saber ouvir, Sabiá nega que tenha vivido problema nesta vida. “Graças a Deus, nunca tivemos. Só que tudo na vida veio por de trás dos cinco dedos. Inclusivo das minhas filhas”.

Do bar ficou a saudade de poder beber umas e outras no balcão e da prosa, que hoje é feita com uma clientela bem maior.

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