ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SÁBADO  27    CAMPO GRANDE 26º

Comportamento

Sorte de ser ouvido pela pessoa certa faz filho reencontrar a mãe 20 anos depois

Paula Maciulevicius | 07/11/2014 06:34
Vinte anos depois de ser levado da mãe biológica, ele conheceu a família com quem deveria ter aprendido a viver. (Fotos: Assistência Social de Rio Brilhante)
Vinte anos depois de ser levado da mãe biológica, ele conheceu a família com quem deveria ter aprendido a viver. (Fotos: Assistência Social de Rio Brilhante)

O fazedor de bancos de pallet tinha uma história que só precisava ser ouvida. Vanderson dos Santos Carneiro, tem 24 anos no registro de nascimento. Mas se contar a partir do momento em que se reencontrou na vida, nasceu agora. Vinte anos depois de ser levado da mãe biológica, ele conheceu a família com quem deveria ter aprendido a viver. Há uma semana voltou a chamar de mãe quem sempre teve esse direito.

"Eu estava morando em Rio Brilhante, aí veio uma mulher lá da Assistência. Eu queria uma passagem para ir embora para a minha cidade e fui falar para ela. Mas também dei o nome da minha mãe e da minha irmã. Ela deixou marcado lá", descreve Vanderson, por telefone, sobre o primeiro contato que lhe traria um final feliz.

Na cidade desde o início de outubro, ele chegou procurando serviço. A prioridade maior era a família, mas como as andanças há seis anos já haviam tirado o fôlego, em primeiro lugar ficou achar um emprego. Algo que lhe desse o sustento material para ele seguir procurando.

Vanderson com a irmã, mãe e a assistente social. (Fotos: Assistência Social de Rio Brilhante)
Vanderson com a irmã, mãe e a assistente social. (Fotos: Assistência Social de Rio Brilhante)

A primeira parada do rapaz na cidade foi próximo à Igreja. A reação dos moradores foi de preocupação em pensar que o morador de rua tivesse problemas com a polícia. O caso chegou ao conhecimento da assistente social da cidade, que foi quem lhe deu ouvidos para saber de sua peregrinação.

A mesma moça que atendeu Vanderson na primeira vez foi quem entrou em contato com o Lado B para contar a história e dar esperança a quem enfrenta o mesmo tipo de distância familiar.

Flávia Luzia dos Santos, de 23 anos, tem apenas um ano de formada em Serviço Social. O trabalho como assistente social envolve escutar dramas. Ela foi além. Quis ouvir o que ele tinha a dizer. Antes de chegar no município, Vanderson já tinha passado por Naviraí, Juti, Caarapó, Dourados, Angélica, Deodápolis e por aí vai.

Depois de passar os nomes dos familiares, Vanderson foi questionado sobre como poderia ser localizado em Rio Brilhante. Endereço ele não tinha e esperanças, também não. Se restringiu a dizer apenas que voltaria à Assistência Social.

"Eu fiquei em Rio Brilhante 15, 20 dias, daí ela foi procurar eu. Disse que localizaram a minha irmã e a casa da minha mãe. Eu falei, mas como que pode? Até desacreditei dela, sabe? Eu estava perdendo as esperanças. Em todo lugar que eu passei, ninguém conhecia. Eu andei em tanto lugar", se explica.

A assistente social fez uma busca pelo nome de Vanderson e depois dos familiares. Ele não tinha um documento sequer que comprovasse sua história. Só uma infância triste. Cheia de mães e madrastas que nunca foram sua família. "Eu quase não tenho lembrança da minha mãe não. Uma mulher lá que pegou nós e levou embora. Eu fui criado só um tempo por ela, depois fui morar com outra família e nunca mais vi minha mãe", conta.

O "fazedor de bancos", profissão que o Lado B atribuiu ao rapaz por ter feito bancos para vender na cidade.
O "fazedor de bancos", profissão que o Lado B atribuiu ao rapaz por ter feito bancos para vender na cidade.

Sumiço - Ele e a irmã Valdirene dos Santos Carneiro, de 28 anos, foram levados por uma mulher quando a família ainda morava no Paraguai. O que os parentes contam é que a senhora usou a desculpa de que precisava de ajuda das crianças para vender roupas. Mas não "devolveu" os irmãos e quando a mãe foi buscar, encontrou apenas a filha. O menino tinha seguido outros caminhos, e ninguém imaginou que demoraria 20 anos para que soubesse para onde voltar.

O garoto ganhou o mundo, usando como bússola apenas o coração. Foi a vontade de achar quem era e quem poderia ter sido que falou alto e que também o guiou até estas bandas. Sem saber que a mãe morava em Mato Grosso do Sul, o destino o trouxe para cá há três meses.

"Eu andava de bicicleta e quando tinha dinheiro para pagar o ônibus, ia. Em todo lugar que eu chegava, perguntava se alguém conhecia elas: minha mãe, minha irmã. Mas eu tinha perdido a esperança de achar, sabe? Já faziam anos", pontua.

Reencontro - Semana passada, mais precisamente na quinta-feira, a história de 20 anos atrás teve um final feliz, graças a um boletim de ocorrência registrado pela irmã, Valdirene, de furto. A Assistência Social de Rio Brilhante localizou a família, parte em Ponta Porã e o restante no Distrito de Itahum, em Dourados, mas os registros não estavam atualizados. Por sorte ou quem sabe porque era para ser mesmo, as mulheres que Vanderson nunca conviveu atualizaram o cadastro do Bolsa Família. Foi aí que o encontro aconteceu.

"Sabe, eu sou duro na queda. É difícil ter emoção assim. Mas o que eu senti foi assim, aquela ansiedade de ver minha mãe, minha irmã. Parece que é um sonho. Eu achei minha mãe verdadeira, minha família verdadeira".

O "fazedor de bancos", profissão do rapaz que estudou até a 5ª série e trocou os livros pela roça, veio dos bancos de pallet que ele fazia na porta do cartório de Rio Brilhante. Foi isso que lhe garantiu dinheiro. As encomendas foram feitas e ele, hoje em tom de quem se desculpa, explica que "não deu tempo. Eu ia fazer, mas veio a notícia", justifica.

A família e mais especificamente a mãe, dona Cenira Carneiro dos Santos, teve outros cinco filhos, além da irmã que Vanderson se recordava. Até agora ela diz não acreditar e afirma que procurou, em rádios e na internet, o filho durante anos.

"Eu já tinha perdido a esperança, quanto tempo já fazia? 20 anos. Agora é recuperar o tempo perdido", avalia Vanderson.

O encontro foi registrado pela assistente social. De Rio Brilhante, ela levou o rapaz até Ponta Porã. "Era uma emoção tão grande, que em palavras ninguém jamais imaginaria. Na estrada, ele ficou o tempo todo perguntando se era mesmo sua mãe. Eu vejo que às vezes tem gente que não liga, mas se der um pouquinho mais de atenção, de vontade... Um pouquinho de dedicação que a gente tem faz uma história ser bonita assim".

Nos siga no Google Notícias