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Comportamento

Toninho Facada sobreviveu a vingança de amor e hoje viaja no tempo pela ferrovia

Thailla Torres | 12/06/2017 06:05
Após 30 anos como ferroviário, Toninho veste uniforme para levar os que olham a uma viagem no tempo e, de trem. (Foto: Marcos Ermínio)
Após 30 anos como ferroviário, Toninho veste uniforme para levar os que olham a uma viagem no tempo e, de trem. (Foto: Marcos Ermínio)

O chapéu é o mesmo desde a última leva de uniformes guardados por Antônio Marques da Silva, ex-ferroviário em Campo Grande. Aos 60 anos, ele faz questão de colocar a roupa e andar algumas quadras até a Esplanada Ferroviária para levar quem olha o lugar a uma viagem no tempo, de trem.

Nascido em Cuiabá (MT), mas vindo Salvador (BA), Antônio é conhecido como Toninho Facada, vive na Vila dos Ferroviários e é voluntário nas horas vagas. Trabalhou quase 30 anos sobre os trilhos em tantas funções que renderam muitas histórias e maquinários.

Toninho lembra do tempo que o trem era esperança para muitas pessoas. (Foto: Marcos Ermínio)
Toninho lembra do tempo que o trem era esperança para muitas pessoas. (Foto: Marcos Ermínio)

"Ainda sinto vontade de chorar quando olho isso daqui parado. Sou do tempo que aquele barulho do trem era sinal de esperança pra muita gente", recorda Toninho.

Ele se aposentou há quase 10 anos. Mora na vila tombada como patrimônio histórico e que foi construída por ex-ferroviários. Atualmente é membro da Afapedi (Associação dos Ferroviários Aposentados, Pensionistas Demitidos e Idosos) de Mato Grosso do Sul e sempre que consegue, auxilia o Iphan nas visitas de quem busca saber um pouco da história e desenvolvimento da cidade.

Na ferrovia, Toninho chegou a ter problemas de coluna e a sobreviver a tentativa de assassinato, mas nem isso fez ele desistir da profissão. O apelido foi dado depois de levar 5 facadas em Corumbá, de um homem apaixonado. "Teve um camarada lá que estava se engraçando com uma mulher, mas ela não queria mais ele. Quando eu viajava pra lá, a gente ficava junto e, um dia enquanto eu estava num bar, ele chegou com a gangue. Depois me marcou e cometeu vingança com a faca", recorda.

Ele prefere não mostrar as cicatrizes e recorda da dura recuperação, até com tom de exagero. "Meu sangue esgotou, quando ele me deu uma facada aqui (na barriga), as tripas saíram pra fora. Precisei tomar sangue vários dias, sorte que eu tinha muitos amigos, senão poderia ter morrido", lembra.

Foram sete meses de licença, até que precisou voltar ao trabalho. "Quem era acostumado a trabalhar naquele tempo, era quase impossível ficar parado. Quando chegava na ferrovia, todo mundo falava: Olha lá o Toninho Facada. Pelo jeito, até parecia que eu era bravo, mas explicava que escapei da morte".

Um dos crachás que ele guarda com todo carinho.
(Foto: Marcos Ermínio)
Um dos crachás que ele guarda com todo carinho. (Foto: Marcos Ermínio)

A saudade maior está no chamado para o trem, o preferido do ferroviário. "Aqui, enquanto todo mundo estava esperando, a gente anunciava: 'Atenção, o trem partirá dentro de cinco minutos', revela. Esta era a trilha sonora para o momento mais esperado da estação.

"Eu falo que meu trabalho nunca foi um esforço. Me considerava turista. Como era bom olhar aquela paisagem. Depois, na volta, a gente seguia a viagem comendo e bebendo. Igual aeromoça quando finaliza o expediente", compara.

Toninho chegou ao Estado para servir ao Exército. Ficou recolhido porque não apresentou a farda e depois desistiu de voltar a cidade para recomeçar a vida. "Escolhi ficar em Campo Grande. Em 1976 fiz o concurso para a ferrovia e continuei. Fui transferido para Corumbá e até joguei no time de futebol da Noroeste que havia por lá".

Depois de aposentado, foi tratar a coluna que já estava sensível após tantas viagens. Na Vila dos Ferroviários, ele garante que luta para manter a história, mas sente o aperto toda vez que lembra das maiores partidas "Chorei muito quando isso tudo aqui parou e quando vi muito colega meu ser demitido. Isso aqui era nossa fonte de renda e alegria", afirma.

O sonho de trabalhar em uma estrada de ferro era da infância. Hoje o que lhe vem a memória são os momentos marcantes. "Guardo os meus uniformes e os crachás. Lembro das viagens e até de momentos importantes quando acompanhei um presidente da Bolívia em um dos vagões. Eu era o que mais entendia castelhano", se orgulha.

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A saudade maior está no chamado para o trem, o preferido do ferroviário. (Foto: Marcos Ermínio)
A saudade maior está no chamado para o trem, o preferido do ferroviário. (Foto: Marcos Ermínio)
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