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Comportamento

Vovô taxista de 84 anos, Alípio tem saudade da gentileza no trânsito

"Antigamente, as pessoas não eram tão agressivas", lembra-se o taxista mais velho da Capital

Osvaldo Júnior e Anahi Gurgel | 19/02/2018 08:05
Alípio, o taxista mais antigo de Campo Grande (Foto: Anahi Gurgel)
Alípio, o taxista mais antigo de Campo Grande (Foto: Anahi Gurgel)

Carros importados, charretes, carroças, ruas de paralelepípedos, estradas de chão, pessoas mais gentis. Essa era a Campo Grande de meio século atrás conforme as lembranças de quem vê a cidade desde 1967 através de para-brisas de táxis. Com 84 anos, Alípio Álvaro da Costa, o taxista mais antigo da Capital, recorda-se de época em que a agressividade ainda não ditava as regras nas relações de trânsito.

“O que mais sinto saudade é da gentileza das pessoas”, recorda-se o taxista, viajando com a memória e voltando ao tempo em que os passageiros tinham paciência de, por exemplo, esperar a porta do táxi ser aberta com uma chave de fenda. “Eu tinha um Simca Chambord, com uma particularidade: as portas não abriam. Eu andava com uma chave de fenda para abrir as portas. Era um pouco constrangedor”, recorda-se.

Cena como essa seria rara hoje. Não apenas pela dificuldade de ser encontrado um veículo, como um antigo Simca, mas também pela impaciência dos tempos modernos. “Hoje em dia, as pessoas brigam muito, xingam por qualquer coisa. Antigamente, não eram tão agressivas assim no trânsito. Tinha muito mais gentileza, mais tolerância”, compara o taxista, conhecedor de diferentes períodos e de diferentes costumes.

Alípio ao lado do táxi de amigo, que ele está usando para trabalhar (Foto: Anahi Gurgel)
Alípio ao lado do táxi de amigo, que ele está usando para trabalhar (Foto: Anahi Gurgel)

Batida e prejuízos – O próprio Alípio vivencia os problemas das loucuras do trânsito atual de Campo Grande: devido a um acidente no ano passado, ele praticamente perdeu um veículo seminovo, vendendo-o por valor muito abaixo ao de mercado.

Com a primeira habilitação de novembro de 1962, o taxista anda, conforme contou, com cuidado pela cidade, respeitando a legislação de trânsito, mesmo quando alguns passageiros, atrasados em seus compromissos, pedem que ele pise fundo no acelerador. “Tem clientes chatos, que pedem para furar o sinal. Você acredita nisso? Mas aí eu tento conciliar, converso, mas não desrespeito as leis de trânsito não. Eu não vou arriscar minha vida nem de ninguém”, assegurou.

Mesmo com essa cautela, Alípio se envolveu em um acidente no dia 19 de janeiro do ano passado. Um veículo desgovernado atingiu o Fiat Línea, que ele comprara havia pouco tempo. O acidente foi na Avenida das Bandeiras. Com os estragos da batida, o carro, com valor de mercado na casa dos R$ 40 mil, foi vendido por R$ 6 mil.

Alípio entrou na Justiça e teve a causa ganha. Receberia R$ 30 mil, mas a outra parte recorreu e o valor caiu para R$ 26 mil, a serem pagos em parcelas mensais de R$ 2 mil. Com esse dinheiro, o taxista planeja comprar um veículo novo e seguir na atividade que exerce há cinco décadas. Atualmente, ele dirige um táxi de um colega de profissão.

Habilitação de Alípio é de 1962 (Foto: Anahi Gurgel)
Habilitação de Alípio é de 1962 (Foto: Anahi Gurgel)

Saúde de ferro – Além de comprar um carro, ele também quer renovar a habilitação que vence em agosto e continuar trabalhando “até quando a saúde permitir”. E por falar em saúde, a de Alípio “é de ferro”, como ele mesmo adjetivou.

“Não tomo nenhum remédio, não bebo, não fumo, tenho as vistas boas”, enumera Alípio as provas de que, de fato, a sua saúde é de ferro. Ele acrescenta que exercita o cérebro com resolução de palavras cruzadas. “Faço todo o dia. Isso ativa a mente”, ensina.

Muitos trabalhos e muitos descendentes – Lúcido e bom de prosa, Alípio contou que, além de trabalhar como taxista, já fez muitas outras coisas. No seu currículo, construído na escola da necessidade de sobrevivência, há diversas atividades: garimpeiro, operador de máquina pesada, de trator, de pá-carregadeira e sanfoneiro. “Até hoje, ainda arrisco alguns acordes”, garante.

A primeira habilitação foi tirada quando tinha 28 anos e se tornou taxista com 33 anos. Era 1967, dez anos antes de Campo Grande se tornar capital. O primeiro taxi foi um Fordão preto. “Parecia uma melanciona”, compara Alípio. Também passaram por suas mãos modelos antigos de Chevrolet Opala e Volkswagen Voyage, entre outros veículos.

Nascido em Campo Grande no dia 20 de fevereiro de 1934, Alípio foi registrado em Rochedo. Construiu sua vida na Capital. Está no terceiro casamento e garante que não tem inimizade com nenhuma ex-mulher. A prole é considerável: são oito filhos, 11 netos e 22 bisnetos. Em todos eles depositou, possivelmente, um pouco da gentileza que carrega dos tempos em que era jovem e as pessoas, menos agressivas.

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