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Comportamento

A vida de quem teve o privilégio de ver o filho envelhecer

Ângela Kempfer | 25/04/2012 12:44
Lucilia e dona Maria Elenor, no portão de casa. (Foto: Simão Nogueira)
Lucilia e dona Maria Elenor, no portão de casa. (Foto: Simão Nogueira)

Para mim, o maior desejo hoje é chegar ao aniversário de 100 anos, lúcida, com minha filha de 82 ao lado. Penso nisso com mais vontade depois de conhecer dona Maria Leonor e a filha Lucilia.

No bairro Mata do Jacinto, as duas parecem amigas que se conheceram melhor depois da velhice. Uma com 87 anos e a mais nova com 64, elas têm apenas uma foto de quando as funções ainda eram as tradicionais e bem divididas, de mãe e filha.

Depois disso, os registros mostram sempre as companheiras carinhosas em festas e viagens. “Quando ela era pequena eu pensei algumas vezes sobre como seria envelhecer junto, mas parecia tão estranho pensar nela, tão pequena, ficando velha”, comenta a mãe Maria Eleonor.

A menina cresceu e hoje um dos assuntos mais presentes no bate-papo diário é sobre as dores. “Chegamos na idade do Condor, né”, explica Lucilia. Mas só é assunto a dor física. As coisas do coração ficam para ela, admite. “Não falo de sofrimento com a minha mãe para poupá-la.”

A vida não foi fácil para a família, mas hoje a rotina na casa simples combina com tranquilidade do endereço, em frente a uma grande área com eucaliptos e pássaros.

Maria Leonor conhece os dois lados extremos que a história de uma mãe pode render. Há 30 anos, perdeu o filho em um acidente de trânsito. “Ele tinha só 27 anos, foi uma tragédia”, lembra.

Muito tempo depois, o marido também morreu por complicações do diabetes. Restou o amparo da filha Lucilia. Super dispostas, as duas passaram a frequentar o Centro de Convivência do Idoso. “Ela que me levou”, conta Lucilia que primeiro levava a mãe para as atividades e após a aposentadoria também entrou para o “clube”.

As duas envelhecem juntas, sob o mesmo teto, mas as gerações diferentes impõem também uma forma distinta de ver o tempo passar. À noite, uma envelhece em frente à TV e a outra de olho no computador. “Tem dias que ela dorme depois de mim, porque fica vendo até a última novela”, diz Lucilia.

A foto de 1956, quando Lucilia ainda era criança.
A foto de 1956, quando Lucilia ainda era criança.

A mãe confirma e garante não ter nenhuma curiosidade sobre o que a filha tanto mexe na internet.

Lucilia não casou. Morou fora apenas uma vez, durante 6 anos, quando saiu de Camapuã para estudar em Campo Grande. Uma tristeza, comenta a mãe. “Quando ela viajou quase morri. Semana sim , semana não, tinha de vir para cá para ver se ela estava bem”.

A relação das duas poderia ser outra, caso o filha tivesse escolhido formar a própria família. Lucilia diz que não. “Sempre fui muito próxima da minha mãe, amiga mesmo”, justifica.

Maria Elenor não parece incomodada com a opção da filha. Os netos de sangue, que não vieram, são substituídos pelos “netos tortos”, filhos de amigos de Lucilia, que são muitos. “E já tenho até bisnetos tortos. Encontro em todo lugar”, brinca.

Primeiro Lucilia ficou para cuidar do pai diabético, ex-taxista que teve de abandonar a profissão por conta da doença. Depois, ficou pela mãe, com quase 70 anos na época. “Não me arrependo porque sou feliz do meu jeito”, conclui.

Aposentada há 10 anos (era servidora pública), ela hoje produz artesanato. Duas vezes por semana, as duas seguem para o Centro de Convivência e aos sábados e domingos vão para casa de amigos e assim vão vivendo, tentando não pensar em nada de ruim.

O maior medo de Maria é ver Lucilia adoecer, “porque não tem ninguém para cuidar dela”. Já o da filha é a “hora da partida”, “vai ser um vazio ficar sem a minha mãe”, diz.

No final de uma manhã de terça, prestes a servir o almoço, a dupla muda de assunto porque nem há motivo para preocupação. “A gente tá bem nova ainda”, lembra dona Maria Eleonor.

A vida de quem teve o privilégio de ver o filho envelhecer
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