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Diversão

Tormentos e alegrias de quem mora ao lado de um karaokê em Campo Grande

Ângela Kempfer | 23/07/2012 09:33
Marcos Vinícius, o pintor canta o sertanejo universitário no karaokê.
Marcos Vinícius, o pintor canta o sertanejo universitário no karaokê.
São centenas de música para escolha, impressas em folhas de papel.
São centenas de música para escolha, impressas em folhas de papel.

Uma hora da madrugada e o som ao lado é “Chora, me liga, implora...”. Mas o pior não é o repertório e sim a afinação. Moro ao lado de um karaokê da cidade e, além da festa de terça a domingo, duro é aguentar a cantoria de gente sem a menor vocação musical.

Há noites ensaiava (da minha cama) levantar e ir até a rua Brilhante tentar uma solução para meu sono, até que no final de semana tomei coragem. Péssima ideia.

Cheguei pronta para subir ao palco, como quem quer cantar, e esculhambar o público, mas quando vi, já estava aos berros cantando Kid Abelha e “Tantos sonhos morrem em poucas palavras...”.

Quando o marcador indicou nota “9. Tente novamente”, o sangue subiu à cabeça. O jeito foi correr para o caixa e comprar mais 10 reais em fichas, o que dá direito a 5 músicas. Resultado: fiquei por horas cantando, até conseguir um “93”.

É impressionante. Bastou subir ao palco para o sono sumir. A empolgação aumenta quando a gente vê que a pessoa que antecede sua apresentação é tão ruim que parece impossível ser pior (Vai nessa...).

Ao chegar, o espetáculo era do pintor Marcos Vinícius Silva, de 32 anos, um homem franzino, com bermudão e camiseta, que ao empunhar o microfone solta um vozeirão digno do sertanejo universitário, preferência clara do calouro.

Três vezes por semana, ele sai do bairro Tiradentes para cantar no Karaokê da rua Brilhante. Apesar da certeza de já ter ouvido o animadinho em uma das minhas noites de insônia, nem dá para virar inimiga. Ele parece tão feliz no palco que acabo batendo palmas.

“Acho que eu não faço feio não. Tem gente que elogia. Quando subo no palco, sou estrela”, comenta Marcos, que durante a semana trabalha em obras pela cidade.

Tudo é tradicional no karaokê, como o telão com as letras das canções.
Tudo é tradicional no karaokê, como o telão com as letras das canções.
Quem não quer cantar, dança.
Quem não quer cantar, dança.

O ambiente é o clássico, meia luz, paredes pretas, um xadrez no palco, 41 mesas espalhadas pelo salão e vinis pendurados em um tecido prata.

O mais impressionante são os clientes. Tem uma turma de amigos animados em um canto, duas famílias (pai, mãe, filha e genro) em outro, solteiros, casados...Todo mundo só fica parecido mesmo quando está no palco. “Sucesso, sucesso, sucesso”, introduz outro a pegar o microfone.

Apesar de tudo parecer muito liberado, há regras em dois grandes banners pendurados ao lado do palco.

A primeira norma é “não grite”, para a música ficar mais agradável. O que parece bem difícil para quem vive do outro lado da rua.

Também não é permitido subir para cantar levando o copo de bebida. Se derrubar o microfone, tem de pagar cinquentão e caso o instrumento quebre, a taxa é de 80 reais.

Quem canta, precisa de esperar a vez do outro para subir novamente ao palco, que só recebe duas pessoas por vez. O resto é igual ao que já estamos acostumados. São centenas de músicas impressas em folhas guardadas dentro de pastas. É só escolher um número, pagar R$ 2,00 e esperar a sua hora.

A letra da música aparece em um grande telão e a nota vem ao fim do espetáculo. Dá para dançar, levar torcida, só não é possível entrar armado (eu nunca pensei nisso). Um segurança enorme revista todos que entram na casa.

Mas o álcool é a preferência da moçada, é só olhar as mesas. A garrafa de cerveja mais barata custa R$ 5,00 e ainda há petiscos, como batata frita. A entrada custa R$ 3,00, mas aos domingos é de graça.

A casa ficou algum tempo fechada para reforma e reabriu com o dobro de capacidade. O que significa muito mais gente cantando e mais noites sem dormir, naqueles dias em que o vento bate e leva direto para sua casa a empolgação dos “cantores”.

Mas agora já sei o caminho e o tamanho da alegria de quem frequenta. Em uma cidade onde se fala tanto da Lei do Silêncio, descobri como pode ser bom cantar com o inimigo às vezes.

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