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Meio Ambiente

Água de cinzas e falta de comida são efeitos do fogo aos ribeirinhos do Pantanal

Sem renda com pesca e artesanato, comunidades sobrevivem a duras penas e dependem da solidariedade para se manterem de pé

Lucia Morel | 03/12/2020 07:30
Paisagem antes verde e em que sobrava água, agora é de árvores queimadas, dunas de areia e um "fio" de rio. (Foto: Lucila Arruda/Comunidade São Francisco)
Paisagem antes verde e em que sobrava água, agora é de árvores queimadas, dunas de areia e um "fio" de rio. (Foto: Lucila Arruda/Comunidade São Francisco)

“Só de falar dá vontade de chorar. Agora a chuva aqui é de cinzas, tempestade de cinzas. Tem que usar máscara pra não ir pro pulmão. Tem ainda a dificuldade de peixe, porque o rio está muito baixo. Está difícil trabalhar e fazer algum dinheiro. A gente está à mercê as sorte, na incerteza do amanhã.”

O relato sentido é da pescadora e catadora de iscas Nilza Mariana de Arruda, 59 anos, nascida e criada na beira do Rio Paraguai, na região de Porto Coqueiro. Moradora da comunidade ribeirinha São Francisco, ela afirma que 2020 tem sido um ano sofrido.

Tudo começou com a pandemia, depois a seca e então, o fogo, que devastou 4 milhões de hectares do Pantanal, retirou vegetação nativa e reduziu árvores a pó.

Ela fala também das lições aprendidas com o sofrimento. “Nasci e me criei aqui e depois de tanto defender a pesca normal, hoje eu defendo que os turistas façam o “pesque e solte”, fazendo turismo só pra passeio ou pra comer na hora”, revela.

Outra defesa que ela faz é em relação às árvores. “Eu defendo as árvores, porque o fogo levou tudo e agora é um sol quente que só. Tenho plantado árvore onde moro e tentando socorrer bicho também, passarinho queimado. Hoje eu estou pra socorrer a natureza e turista é só pra pescar e comer na hora, não pra levar”, enfatizou.

Vegetação completamente queimada na região da Barra do São Lourenço. (Foto: Leonida/Barra São Lourenço)
Vegetação completamente queimada na região da Barra do São Lourenço. (Foto: Leonida/Barra São Lourenço)

Além do sol quente e da tempestade de cinzas enfrentada por conta da falta de árvores, outro problema decorrente disso é a plantação de hortaliças e verduras, que sem a sombra, queimam e não se desenvolvem.

“Em tempos normais a gente tinha condições de plantar pra consumir mesmo. Mandioca, bata doce, folhas pra salada. Mas hoje não é normal, porque não tem mais sol fraco, é quente, porque diminuíram as árvores, o vento vem quente e queima folha das hortaliças”, relata.

Quem também lamenta é a moradora e uma das lideranças entre os ribeirinhos, Leonida Ayres de Souza, 53 anos. Também pescadora e artesã com as folhas de aguapés, ela conta que não tem como trabalhar com nenhum dessas atividades desde o começo do ano.

Primeiro devido a pandemia, que levou embora os turistas que comprariam os artesanatos de aguapé, e depois por causa da seca e do fogo, que reduziu a população de peixes e de iscas, e também das plantas aquáticas usadas nos produtos artesanais.

“A pandemia veio primeiro e afastou todos os turistas. Pra que vive da pesca, diminuiu bastante a renda, pros isqueiros também. As famílias ribeirinhas que vivem de peixe e catar isca, a pandemia tirou todo nosso sustento. Ficamos praticamente zerados de tudo”, analisa ela, que mora na comunidade da Barra de São Lourenço.

Segundo Leonida, mais conhecida como Eliana, depois da pandemia, “as poucas plantas que a gente tinha, a seca foi muito grande e foi matando. Aí chegou o fogo e acabou com o resto. O rio já estava baixo, os peixes morrendo e veio o fogo pra acabar de matar o resto dos bichos.”



Para piorar a situação, a falta de árvores tem provocado ventanias mais fortes nas comunidades, destelhando casas já precárias e destruindo estruturas comunitárias.

Sustento – Enquanto a vida não volta ao “normal”, o que tem sustentado as famílias ribeirinhas é o auxílio emergencial, que está chegando ao fim.

“O que ajudou, não supriu, mas ajudou, foi o auxílio emergencial. Daí até fechar a pesca em 5 de novembro (Piracema), a gente tentava pescar, piranha tinha bastante e dava pra apurar alguma coisa. Mas agora é só água de cinza, não tem mais peixe e a gente não tem mais nem pra pescar nem pra comer”, diz Nilza.

Leonida completa, afirmando que há também doações de cestas básicas, de Ongs (Organizações Não-governamentais) e também da prefeitura, que “pelo menos fome a gente não tem passado”.

Água suja e barrenta que as comunidades ribeirinhas precisam consumir. (Foto: Comunidade São Lourenço)
Água suja e barrenta que as comunidades ribeirinhas precisam consumir. (Foto: Comunidade São Lourenço)

No entanto, frutas, verduras e leite não têm sido doados. “A gente vê o pessoal levando frutas pros animais, e têm muitas famílias ribeirinhas no meio que não recebem nada”, lamenta.

Para os próximos meses, a expectativa é que o Governo Federal libere o seguro de pesca, chamado de Seguro de Defeso, que os pescadores artesanais e profissionais recebem nos períodos de Piracema, quando a pesca fica proibida.

Nilza comenta que até isso está incerto este ano, já que o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) bloqueou alguns seguros com indícios de irregularidade.

“Esse ano não foi liberada a senha ainda. O presidente não liberou nem o INSS e a Piracema termina em fevereiro, quando começa o pesque e solte. Não sabemos como vai ficar isso aí ainda”, comenta a pescadora, lembrando que “em tempos normais, fora de pandemia, seca e queimada, a gente já teria feito o seguro de pescador pra poder receber até 20 de dezembro a primeira parcela”.

Saúde – E quem pensa que a covid-19 é o que mais afeta os ribeirinhos atualmente, deve saber que diarreia e problemas estomacais e respiratórios estão entre as maiores queixas. As águas baixas e sujas do Rio Paraguai, que abastecem Corumbá e as comunidades que vivem da pesca estão barrentas devido o baixo nível e cheias de cinzas.

Ainda é possível colocar cloro para limpá-las, mas essa ajuda chegou apenas este mês, através do projeto Povos das Águas, da Prefeitura de Corumbá. Mas quando o produto acaba, o jeito é tentar limpar a água de outras formas ou tomá-la sem tratamento mesmo, o que desenvolve os problemas estomacais.

Já a questão respiratória afeta principalmente crianças e idosos, que respirando o ar cheio de cinzas, acabam desenvolvendo problemas nas vias aéreas.

Como ajudar – A comunidade da Barra de São Lourenço tenta através da Ong Ecoa (Ecologia em Ação) começou uma campanha de doações para construir uma mini usina de tratamento de água movida a energia solar. As doações podem ser feitas aqui.

Nilza e família em local onde passava um rio, braço do Paraguai, em frente à casa deles. (Foto: Lucila Arruda)
Nilza e família em local onde passava um rio, braço do Paraguai, em frente à casa deles. (Foto: Lucila Arruda)

Também é possível ajudar de forma direta, empresários ou governos e sociedade civil. Além de água de qualidade, os ribeirinhos precisam de alimentos como frutas, verduras e leite e também de madeira e telhas para reconstruir estragos dos ventos fortes que têm atingido as comunidades, já que não há mais árvores para barrar as ventanias.

Os ribeirinhos pedem ainda doação de mudas de árvores frutíferas, para recuperar o que foi destruído nas queimadas. Para ajudar, pode-se entrar em contato com a Ecoa, através do número 67-98427-9828 ou com Leonida, no 67-99885-3723.

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