Vídeos da viagem, frases e fotos levaram à condenação de casal por ato golpista
Voto de Alexandre de Moraes detalha participação de sul-mato-grossenses no 8 de janeiro
A condenação do casal Clarice Custódio Jacomeli e Cláudio José Jacomeli pelo Supremo Tribunal Federal não se baseia em financiamento da viagem nem em atos de depredação individual. O que levou o STF a considerá-los responsáveis pelo ataque de 8 de janeiro foram três pilares entendidos como decisivos: intenção manifesta, participação direta no ato, e inserção em um movimento coletivo voltado à ruptura democrática.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
O voto do ministro Alexandre de Moraes descreve a viagem do casal desde Naviraí, onde moram, como o primeiro elemento que confirma a adesão ao ataque. No micro-ônibus fretado que partiu rumo a Brasília em 7 de janeiro de 2023, vídeos mostravam discursos inflamados, frases de convocação e exaltação da violência como instrumento político.
O ambiente registrado nas imagens é descrito pelo ministro como prova inequívoca da motivação antidemocrática do grupo: “As gravações reforçam a concreta participação dos réus nos atos antidemocráticos.”
Em meio aos vídeos, o casal aparece verbalizando apoio ao movimento. Clarice afirma que o grupo estava “corajoso para enfrentar mais uma luta”, enquanto Cláudio declara ser preciso “buscar o que é nosso: a liberdade”. Para o STF (Supremo Tribunal Federal), as falas dos dois demonstram que não se tratava de curiosos ou espectadores ocasionais, mas de participantes engajados em uma mobilização que, segundo o voto, possuía finalidade golpista.
Relatório sobre o caso destaca também o clima dentro do ônibus, marcado por frases como “Vamos derrubar os bandidos!” e “Bora ‘rancar’ o nine (Lula) da cadeira, rumo à liberdade!”, mencionadas no voto para contextualizar o caráter da caravana que chegava à capital federal.
No dia seguinte, em 8 de janeiro, Clarice e Cláudio acompanharam a marcha que avançou pela Esplanada e entraram no Congresso Nacional durante a invasão. Fotografias anexadas ao processo mostram o casal dentro do prédio, enrolado em bandeiras do Brasil, e ambos admitiram a entrada em depoimento. Para Moraes, esse ato foi determinante:
“A simples presença no interior de prédio público federal, durante a invasão, revela participação funcional na empreitada delituosa.”
Em um dos trechos citados, Moraes afirma que, nas fotos, Clarice aparece sorrindo e com a bandeira do Brasil amarrada ao corpo, enquanto Cláudio “igualmente esboça expressão de contentamento”. As mesmas imagens foram divulgadas em perfis públicos, como a conta “@contragolpebrasil”, criada para identificar participantes dos atos.
O documento descreve que o casal viajou de Naviraí a Brasília em um micro-ônibus fretado, identificado por meio de lista formal da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), e cuja presença foi posteriormente confirmada em uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal no km 130 da BR-060, em 9 de janeiro de 2023, quando retornavam ao Estado. Na ocasião, ambos foram conduzidos à 18ª Delegacia Distrital de Polícia de Goiânia, onde tiveram os celulares vistoriados e foram liberados.
É esse conceito, a participação funcional, que sustenta parte significativa da condenação. Para o STF, quem integrou o fluxo invasor contribuiu para o resultado global, ainda que não tenha sido filmado quebrando vidraças ou destruindo obras. O voto classifica o 8 de janeiro como uma operação coordenada, nacional e com objetivo claro: “Participaram ativamente de uma ação voltada à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e à supressão do exercício legítimo dos poderes constituídos.”
Escalada desde 2022
O ministro enquadrou o casal também como integrante de uma associação criminosa, destacando que o movimento de contestação do resultado das eleições já atuava com violência desde 2022, portando barras de ferro, estilingues com esferas metálicas e outros artefatos improvisados. No entendimento do STF, Clarice e Cláudio sabiam desse contexto:
“A utilização de artefatos, barras de ferro, esferas metálicas e substâncias inflamáveis ingressou na esfera cognitiva dos denunciados que, a despeito disso, prosseguiram na empreitada criminosa.”
Em relação aos danos, os dois foram responsabilizados pelos prejuízos gerais causados ao patrimônio da União, estimados em mais de R$ 25 milhões. O voto fundamenta que, em crimes multitudinários, não é necessária identificação individual de quem quebrou o quê. “Concorreram para o fortalecimento do movimento golpista que, mediante grave ameaça e violência, causou destruição do patrimônio da União”, argumenta o ministro.
No encerramento, Moraes classificou o 8 de janeiro como “atentado inédito contra a democracia brasileira”, e afirmou que o casal integrou todas as etapas essenciais do ataque: a mobilização prévia, a viagem organizada, a adesão ideológica, a presença física na marcha e a entrada no prédio invadido.

O que disse a defesa
Em depoimento, Clarice admitiu ter entrado no Congresso Nacional, embora tenha negado qualquer ato de vandalismo. Cláudio também confirmou a entrada no prédio, relatando que permaneceu no interior por cerca de trinta minutos e justificando, em palavras próprias, que pretendia “fazer volume” em protesto contra o resultado da eleição presidencial. Ele também reconheceu ter frequentado um acampamento instalado em Naviraí após as eleições de 2022, onde se reunia com outras pessoas para discutir o pleito e, segundo afirmou, decidiu com o grupo viajar a Brasília no fim de semana do ataque.
A defesa dos dois tentou afastar a responsabilidade do casal afirmando que eles não participaram de atos de violência e não tinham qualquer intenção golpista. Os advogados sustentaram que os dois “não depredaram patrimônio público”, “não portavam armas” e sequer compreenderam a dimensão dos acontecimentos. Segundo a tese apresentada, o casal teria sido levado pela multidão e estaria apenas “no local errado, na hora errada”, motivado por curiosidade e desinformação.
A argumentação também procurou descaracterizar o caráter golpista da conduta, afirmando que os réus não participaram de planejamento de ataques e não tinham o objetivo de interferir no funcionamento dos Poderes.
A defesa classificou os dois como “pessoas humildes, idosas e facilmente influenciadas”, cujos atos não demonstrariam intenção de abolir o Estado Democrático de Direito. Além disso, criticou o uso da chamada teoria do crime multitudinário, alegando que o STF atribuía ao casal comportamentos praticados por terceiros, sem individualizar as condutas.
No voto, Alexandre de Moraes rejeitou todos esses argumentos. Para o ministro, as provas reunidas ao longo do processo afastam a ideia de que fossem espectadores desavisados.
Sobre a alegação de que não tiveram intenção golpista, Moraes foi categórico:
“Participaram ativamente de ação voltada à abolição violenta do Estado Democrático de Direito.”
Para o relator, o movimento de 8 de janeiro foi articulado nacionalmente e não permite interpretação ingênua. Por fim, o ministro sustentou que, em crimes coletivos violentos como aquele, não é necessária a identificação individual de cada dano causado, pois quem integra e fortalece o ato responde pelo resultado.
A decisão pela condenação foi proferida pela 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quarta-feira (26). Ambos receberam pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção, além de multa de R$ 30 milhões.



