Ataque raro de onça matou caseiro, gerou medo e mobilizou autoridades em 2025
Episódio em Miranda teve repercussão nacional e acendeu debate sobre convivência no Pantanal

As onças-pintadas que frequentemente viralizam nas redes sociais e atraem turistas ao Pantanal ganharam, em 2025, um novo holofote. Animais vistos em áreas urbanas de Corumbá causaram medo.. Mas a repercussão nacional, rara de ser registrada, começou no dia 21 de abril, após a PMA (Polícia Militar Ambiental) iniciar buscas pelo caseiro Jorge Ávalo, de 60 anos, atacado por um felino.
RESUMO
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Em abril de 2023, um ataque fatal de onça-pintada a um caseiro no Pantanal sul-mato-grossense chamou atenção nacional. Jorge Ávalo, de 60 anos, foi morto pelo felino na região do Touro Morto, a 150 quilômetros de Miranda, onde trabalhava há duas décadas. O animal, um macho de 94 quilos, foi capturado três dias após o incidente e levado ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres. Exames confirmaram que estava 26 quilos abaixo do peso ideal. Posteriormente, foi transferido para o Instituto Ampara Animal, em São Paulo, sendo este o primeiro caso registrado de captura de onça-pintada após ataque a humano no Brasil.
Conhecido como Jorginho, ele trabalhava há quase 20 anos na região do Touro Morto, no Pantanal do Rio Negro, a cerca de 150 quilômetros de Miranda. Apesar da convivência cotidiana com animais silvestres, o caseiro acabou sendo pego de surpresa.
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Na época, a PMA informou que foi acionada por volta das 9h para apurar a ocorrência. No pesqueiro onde Jorginho trabalhava, foram encontradas manchas de sangue. O ataque teria ocorrido por volta das 5h30.
O corpo de Jorginho foi localizado no dia seguinte, 22 de abril, pelo cunhado, Magrão, que, em áudio enviado à família, relatou o momento da descoberta: “Achei o Jorge, viu? Não falei para vocês ontem que eu ia achar meu cunhado? Deus me guiou certinho, eu sabia onde ele ia estar”. A localização ocorreu por volta das 6h, com auxílio do irmão e de um militar.
Ainda no mesmo dia, o grupo retornou ao local acompanhado pela PMA para o resgate dos restos mortais. No entanto, o corpo já não estava onde havia sido encontrado inicialmente e havia sido arrastado por cerca de 50 metros.
A informação repassada à época é de que a onça tentou atacar os homens, pulando em direção a eles. Um deles chegou a cair no chão e ficou com o braço arranhado. O felino fugiu após disparos serem efetuados. No local, ficaram os dois pés da vítima, as botinas, parte da perna, pedaços da calça e uma ossada que não foi possível identificar a qual parte do corpo pertencia.
“Amava o que fazia”
Em 23 de abril, o irmão de Jorginho, Reginaldo, de 55 anos, contou ao Campo Grande News que a rotina do caseiro começava cedo, por volta das 4h. Ele preparava o café e, em seguida, cuidava da horta, das plantas, dos pássaros e fazia a medição do nível do rio.
“Ele sabia identificar o tipo de animal que estava por perto só pelo canto dos pássaros. Sabia se era onça, jacaré, bugio, saracura. Conhecia profundamente a natureza ao redor”, relatou Reginaldo.
O irmão também mencionou que acreditava que Jorginho pudesse ter perdido o medo da onça devido ao contato frequente com o animal. “Ele via quase todos os dias, mandava vídeos, mas elas corriam, não chegavam perto dele”, lamentou.
A onça retirada da natureza
Desde o dia do ataque, a onça passou a ser procurada pela PMA. No dia 24 de abril, três dias após o início das buscas, o felino foi capturado. O macho, com 94 quilos, foi levado ao Cras (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres), em Campo Grande, por uma equipe composta por mais de 10 policiais e um biólogo.
A remoção do felino de seu habitat natural foi avaliada pelo Cenap (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros), ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), como uma medida necessária para evitar outros incidentes na região.
“A justificativa da remoção é que se trata de um animal com indícios de alta habituação ao ser humano, o que traria grandes riscos a pescadores, turistas e moradores”, explicou Rogério Cunha de Paula, coordenador do Cenap/ICMBio.
O professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Geanderson Araújo, acompanhou a captura e afirmou que a onça precisava passar por avaliação clínica. “Ela está magra, muito magra. Agora precisamos avaliar os próximos passos”, disse.
Os exames apontaram que o animal tinha cerca de 9 anos e estava 26 quilos abaixo do peso ideal, além de apresentar desidratação e alterações renais. No Cras, o felino recebeu RG (Registro Geral), foi chipado e passou por análise comportamental.
DNA em fezes e confirmação do ataque
No dia 5 de maio, o delegado responsável pelo caso, Luis Fernando Mesquita, informou que as fezes da onça continham fios de cabelo e fragmentos de ossos, coletados em 25 de abril, um dia após a captura. À época, ainda não era possível afirmar se o material era humano.
Dois dias depois, em 7 de maio, laudos preliminares indicaram que Jorginho estava vivo no momento do ataque e tentou se defender. “Há lesão de defesa em membro superior, com reação vital, compatível com ataque de animal silvestre de grande porte”, explicou o delegado.
O laudo necroscópico foi concluído em 12 de maio e apontou que a morte foi causada por choque neurogênico agudo, provocado por ferimentos perfurocontundentes na cabeça e na coluna cervical, compatíveis com ataque de onça-pintada.
“O ataque ocorreu predominantemente na parte superior do corpo, e o impacto maior foi na região da cabeça e do pescoço”, explicou o delegado ao Campo Grande News em entrevista concedida em maio.
Somente em 4 de julho foi divulgada a confirmação, por exame comparativo de DNA, de que os fragmentos encontrados nas fezes do animal pertenciam a Jorginho.
Novos avistamentos
Após o ataque, novos registros de onças em áreas urbanas passaram a ser feitos em Corumbá, também no Pantanal sul-mato-grossense. As aparições começaram em maio, nas proximidades da base da PRF (Polícia Rodoviária Federal), na BR-262, e na Orla da cidade, gerando temor na população.
Em julho, os registros continuaram, porém com menor frequência. Apesar de rastros e pegadas, não houve aproximação de residências nem ataque a animais domésticos. Para evitar incidentes, foram realizadas rondas noturnas, instalação de repelentes luminosos e reforço na iluminação pública. Em setembro, foi informado que os felinos haviam se afastado da área urbana.
Durante coletiva no dia da chegada da onça ao Cras, o secretário-executivo de Meio Ambiente, Arthur Falcette, afirmou que o caso era atípico. “É a primeira onça-pintada no Brasil capturada após ataque a humano. Sem dúvidas, haverá muita demanda para estudar esse animal. Precisamos entender essa dinâmica”, afirmou no dia 24 de abril.
Antes mesmo da captura, o médico-veterinário e doutorando em Ecologia pela UFMS, Diego Viena, explicou ao Campo Grande News que ataques de onça são raros em toda a área de distribuição da espécie. Ele destacou que situações como fêmeas com filhotes, período de cópula e a prática da ceva podem facilitar o contato com humanos.
A ceva, que consiste em oferecer alimento para atrair animais, geralmente com fins turísticos, é crime ambiental e altera o comportamento natural das onças. “Normalmente, quando uma onça vê um ser humano, ela não associa a nossa presença a alimento, mas a partir do momento em que esse alimento passa a ser fornecido por pessoas, essa aproximação tende a acontecer com maior frequência.”

Recuperada e transferida
Após três semanas no Cras de Campo Grande, a onça foi transferida para o Instituto Ampara Animal, no interior de São Paulo. Durante o período, recebeu suporte nutricional, hidratação e medicação.
“O animal ganhou bastante peso e está saindo com 107 quilos, evoluindo bem, sem problemas graves de saúde”, afirmou, em 16 de maio, a veterinária Aline Duarte, gestora do Hospital Veterinário Ayty e coordenadora do CRAS.
Antes da transferência, o macho foi batizado de Irapuã, nome de origem tupi-guarani que significa agilidade e força. A decisão de retirá-lo da natureza ocorreu após a constatação do risco de novos incidentes, já que o animal apresentava elevado grau de habituação humana.
“Trata-se de um indivíduo que já não reage com o instinto de fuga típico da espécie; isso torna sua soltura um processo mais complexo e arriscado, tanto para ele quanto para as pessoas”, explicou o médico-veterinário Jorge Salomão Jr., responsável técnico pelo mantenedor de fauna do Instituto Ampara Animal.
Durante o I Workshop Internacional Conflitos com Grandes Felinos: Riscos, Causas e Soluções, realizado em 27 de agosto em Campo Grande, foi revelado que a transferência também visou evitar possíveis retaliações contra o animal.
“A gente queria eliminar qualquer chance de animosidade. Se esse animal ficasse no Estado, poderia representar um risco a ele e dificultar a gestão desse ambiente do ponto de vista da reação das pessoas”, afirmou Arthur Falcette, secretário-adjunto da Semadesc, durante o evento promovido pelo Instituto SOS Pantanal.
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