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A decisão do STF sobre o financiamento eleitoral - alcance e consequências

Por Fábio Trad (*) | 22/09/2015 13:45

O Supremo Tribunal Federal decidiu que ficam proibidas as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Pessoas físicas podem até o limite de 10% dos rendimentos do ano anterior ao pleito.

Esta decisão representa um duro golpe à interferência abusiva do poder econômico-financeiro no concurso eleitoral. Seus efeitos já valem para a próxima eleição. A tendência é que haja uma concorrência menos desigual entre os candidatos à medida em que as empresas sejam proibidas de doar às campanhas, porém nada impede que grandes empresários, banqueiros e milionários possam fazê-lo, pois o STF garantiu essa possibilidade em relação à pessoa física.

Fotalecerá a nossa democracia se a campanha eleitoral basear-se nas virtudes do candidato e não em sua capacidade de amealhar recursos, próprios ou alheios, para competir. Quanto mais se combater a interferência do poder econômico em uma campanha, maiores as chances dos que poderão exercer o mandato de forma independente, livre e autônoma.

Durante o mandato de deputado federal, defendi a tese acolhida pelo STF. Dizia e reitero: “enquanto as campanhas continuarem sendo movidas pela força despudorada de recursos privados que jorram de dutos tanto mais caudalosos quanto mais suspeitas são suas fontes, a legitimidade da democracia brasileira seguirá sendo exaurida pela astuta e perversa subordinação do processo eleitoral a interesses inominados e, tantas vezes, escusos. O financiamento milionário de campanhas amesquinha e perverte aquela que deveria ser a essência mesma da democracia, e, porque corrói e corrompe o processo eleitoral, contamina todo o organismo democrático como uma infecção insidiosa”.

Acredito que o STF julgou com acerto, mas penso que é possível avançar ainda mais. Explico: existem muito mais assalariados do que milionários no Brasil, mas só os que gastam milhões nas campanhas ganham. Por que? Ora, porque as campanhas eleitorais subordinam-se à lógica do marketing e os candidatos são apresentados à população como se fossem produtos de consumo. As campanhas deveriam ser mais sóbrias, propositivas e ideológicas. Os candidatos deveriam ter cotas fixas e previamente estipuladas pela Justiça Eleitoral para custear suas campanhas a fim de impedir aquelas que são bonitas, mas destituídas de conteúdo.

Acredito que todo candidato deveria ser sabatinado diretamente pela sociedade civil durante uma campanha, não apenas os que concorrem à cargos do Executivo, mas também todos os que disputam cadeiras no Legislativo. Não importa se são muitos os candidatos, pois hoje temos a Internet que pode satisfatoriamente revelar o que pensa e como pensa o candidato sobre assuntos relevantes e pertinentes ao exercício da vida pública.

Oito ministros de um colegiado de onze concordaram com a essência do pleito apresentado pela OAB. O sistema eleitoral brasileiro não pode mais continuar refém de um vício degenerativo que, na prática, privatiza e mercantiliza o mais orgânico instrumento democrático: as eleições.

A OAB teve a coragem de admitir que, na verdade, o financiamento privado de campanha pariu e amamenta uma aberração própria da cruza improvável de espécies distintas. A cópula insensata entre as eleições, que legitimam a democracia como instrumento da igualdade de oportunidades, e a apropriação privada do processo eleitoral, gerou o "leasing" de mandatos, o arrendamento mercantil da manipulada delegação popular.

Por isso mesmo, o processo eleitoral, a campanha e as eleições que legitimam a construção permanente dessa democracia não podem continuar reféns dos recursos privados, sob pena de sermos responsabilizados, perante a história, de negligência ética e renúncia cívica, por permitir que a privatização da politica mercantilize cada vez mais a vontade popular.

Por mais imperfeições que tenha, a democracia eleitoral é uma conquista da qual não podemos abrir mão. Creio que, gradativamente, a maioria da população aperfeiçoará os critérios de escolha dos candidatos, valendo-se dos inúmeros meios de informação disponíveis e de sua capacidade crítica na avaliação dos que pedem voto.

A primeira seleção se faz com o registro da candidatura e, logo em seguida, com o sufrágio através do voto popular. Existem leis de caráter punitivo que podem ser acionadas no sentido de impedir que os transgressores representem a população em cargos eletivos. Nesta marcha evolutiva, o que se espera é que o amadurecimento da consciência coletiva seja uma constante para que o resultado eleitoral consagre a vitória dos autenticamente vocacionados para a vida pública.

(*) Fábio Trad, advogado, professor, ex-presidente da OAB/MS e ex-deputado federal que presidiu a Comissão do Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados

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