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A ética, a indicação de marca de próteses e materiais por profissionais de saúde

Por Ricardo Ayache e Flávia Robert (*) | 06/01/2015 20:39

No último domingo (04), o programa Fantástico da TV Globo, através da matéria denominada Máfia das próteses coloca vidas em risco com cirurgias desnecessárias, preocupou toda a sociedade com tema que há muito é considerado pelo sistema de saúde público e privado como colapso ético que impacta diretamente nos custos assistenciais e, principalmente, na segurança do paciente.

Órteses, próteses e materiais especiais, conhecidos pela sigla OPME, abrangem os insumos utilizados em procedimentos médicos, em especial, nos tratamentos ortopédicos, neurológicos, cardiológicos e gastroenterológicos.

Ninguém opta premeditadamente pela doença, mas quando a enfermidade acomete o paciente, é inerente a fragilidade e necessidade de atendimento, apoio e suporte técnico a ser realizado por profissionais de saúde que inspirem confiança.

É certo que a credibilidade é essencial para o êxito do tratamento e a matéria divulgada na reportagem, demonstrando escusos interesses financeiros que envolvem as indicações terapêuticas, trouxe a todos os expectadores grande insegurança.

A nosso ver qualquer forma de compreensão da corrupção gera cumplicidade. Por tal motivo, rígidos mecanismos de controle devem ser utilizados na gestão dos sistemas de saúde tanto público, quanto privado.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), através da Resolução nº 1.956/2010, disciplina que é direito do médico a indicação de procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitadas a normas vigentes, cabe ao médico, mediante justificativa clínica, determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis.

É expressamente vedado ao médico assistente exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos, assim como obter qualquer forma de lucro ou vantagem pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses, materiais especiais ou artigos implantáveis de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Em circunstâncias onde exista divergência entre médicos assistentes, operadoras de planos de saúde ou instituições públicas, quando da indicação de uso de órteses, próteses e materiais implantáveis, a definição do impasse deve ser realizada através de junta constituída pelo profissional requisitante ou nomeado pelo paciente, por médico auditor e por um terceiro, escolhido de comum acordo.

A arbitragem é cabível mesmo nas situações de emergência, quando não for possível pré-autorização e tenha sido realizado o procedimento ou utilizado material implantável, órtese ou prótese, neste caso a junta será retrospectiva.

A gestão da saúde deve levar à qualidade e segurança assistencial, sem perder de vista a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do sistema.

Finalmente, cabe ressaltar que de acordo com os artigos 35, 40, 68 e 69 do Código de Ética Médica, é vedado ao médico exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos; aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza; e, principalmente, ter interação ou dependência de qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza, e obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Deixamos aqui, uma reflexão para que não caiamos na armadilha da generalização dos fatos evitando imputar a toda categoria médica o papel de algoz diante da vida de seres humanos. A reflexão é a proposta para que tenhamos olhar vigilante, na qualidade de cidadãos, sem cometer o disparate de encarcerar toda uma categoria na vala comum dos péssimos exemplos dos profissionais retratados pela matéria jornalística em comento.

Mesmo que a matéria retrate uma triste realidade do setor de saúde em nosso país, acreditamos na mudança de consciência e devemos considerar que o esclarecimento à sociedade é primordial para que em conjunto seja possível a mobilização no combate às más práticas relacionadas às OPMEs, uma vez que o paciente não pode em nenhuma hipótese ser colocado em risco para obtenção de vantagens financeiras ilícitas e antiéticas.

(*) Ricardo Ayache é presidente da Cassems desde 2010, quando deixou o cargo de diretor de Assistência à Saúde da Cassems, ocupado desde 2001. Médico especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), MBA em gestão de Cooperativas de Saúde na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

(*) Flávia Robert é diretora Jurídica da Cassems desde 2001. Advogada, pós - graduada em Gestão Hospitalar e Sistemas de Saúde pela Universidade de Campo Grande – UNAES e presidente da Comissão de Direito à Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MS).

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