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A extinção da Justiça do Trabalho

Por Paulo Sérgio Cândido (*) | 17/01/2019 13:07

Nos últimos dias estamos acompanhando manifestações e reflexões que abordam a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho no Brasil.

Quando questionado sobre a questão em entrevista exibida pelo SBT no dia 3/1/2019, o atual presidente da República Jair Messias Bolsonaro, destacou:

“Poderia fazer, está sendo estudado. Em havendo clima, poderíamos discutir e até fazer uma proposta [ao Congresso Nacional]”;A repercussão foi imediata, juristas de renome e associações de classe rapidamente abordaram o tema, sendo contrários a esta possibilidade.

Em nosso país, o debate sobre a necessidade de uma justiça trabalhista não é novidade, eis que desde a sua instalação, vivenciamos o confronto ideológico de teses quanto a necessidade de uma justiça trabalhista especializada. No artigo a justiça do Trabalho entre dois extremos, Raquel Veras Franco Analista Judiciária do TST, ao abordar o tema, assim destacou:

No que tange especificamente à instalação da Justiça do Trabalho, podemos entrever traços desse confronto ideológico de forças quando é enviado ao Congresso, em 1935, o anteprojeto da lei que instituiu e organizou essa Especializada (Decreto n. 1.237/1939): sucedem-se as discussões entre Oliveira Viana (sociólogo e jurista, consultor do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, um dos autores do anteprojeto) e o Prof. Waldemar Ferreira (relator na Comissão de Constituição e Justiça) ¹.

Ferreira, como outros intelectuais na década de 1930, era desfavorável à implantação de uma Justiça do Trabalho no Brasil. Contrariamente a Viana, era partidário de um "individualismo jurídico" assentado "na ideia de contrato do Código Civil". Não acreditava que os conflitos trabalhistas necessitassem de "novos órgãos, novos processos, novos ritos ou nova jurisprudência". Chegou a chamar de "fascista" o projeto de Viana².

Fonte: http://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho

Analisando fatos históricos, podemos afirmar que a instalação da Justiça do Trabalho desde sua concepção foi controvertida, todavia, analisando a história em seu contexto integral, não podemos nos curvar aos anseios dos defensores da extinção da Justiça do Trabalho.

Os defensores da extinção da Justiça do Trabalho, pregam que a existência da Justiça do Trabalho é que leva ao número exagerado de ações trabalhistas em nosso país, bem como, que em outros países não existe justiça do trabalho.

Abordando tão somente estes dois aspectos, os argumentos dos defensores do fim da justiça do trabalho, em hipótese alguma seria determinante para a sua extinção, eis que, analisando a cultura que de modo vagaroso está sendo modificada nas empresas, mas ainda prevalece na maioria delas, tem se que 95% das ações trabalhistas são ajuizadas pelo fato de que no momento da rescisão contratual, houve ruptura do rapport existente entre empregado e empregador, ou ainda que condutas reiteradas e equivocadas de um gestor imediato do empregado é que motiva o ajuizamento da ação trabalhista.

Exemplificando uma situação que corriqueiramente ocorre nas empresas em nosso país, podemos citar os minutos superiores a 5 minutos que antecedem ou sucedem a jornada de trabalho do empregado, mesmo cientes da possibilidade do ajuizamento de ações judiciais, a analise realizada, quase sempre é de que se um percentual reduzido de empregados que se desligam, ajuízam ações, o risco do não pagamento é válido.

No que se refere a comparação com outros países, abordaremos a que costumeiramente é realizada com os Estados Unidos da América.

Inicialmente esta comparação não tem o menor fundamento, eis que são sistemas completamente diferentes. Nos Estados Unidos, sobre a matéria trabalhista, temos leis esparsas e precedentes judiciais como principal fonte de direito do trabalho, lembrando ainda que tanto o governo federal americano e seus estados federados, podem editar normas sobre relações de trabalho, assim, uma empresa que possui filiais em diversos estados americanos deve se adaptar a legislação trabalhista estadual em cada um destes estados.

Nessa comparação, necessário, destacar que no Brasil, a competência para legislar sobre direito do Trabalho é da União.

Outro aspecto, corriqueiramente abordado é:

Os Estados Unidos possui número menor de ações trabalhistas, realmente é fato, todavia, isto se deve a uma característica processual, eis que diferente dos conflitos individuais que são prevalecentes em nosso país, pois aqui raramente visualizamos ações coletivas (substitutos processuais), enquanto que nos Estados Unidos a ação trabalhista predominante é uma class action (ação que representa a coletividade da classe dos trabalhadores de uma empresa).

Considerando a entrevista concedida pelo Presidente da República e que originou esta reflexão, entendo que é prematuro falar em extinção da Justiça do Trabalho, entretanto, torna se necessário que outras entidades de classe, juristas e operadores do direito, abordem o tema em sua amplitude e não de forma simplista, pois ao contrário do que que é pregado em nosso país, o volume de ações trabalhistas não pode ser creditado a existência da justiça do trabalho, eis que diversos fatores e que explicaram de fato a realidade.

(*) Paulo Sérgio Cândido é advogado, associado no escritório Nogueira & Advogados Associados, especialista em Direito Processual do Trabalho, devidamente inscrito na OAB/PR sob. o nº 68.859. E-mail: paulo@nogueiraadv.com.br

[1] FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. Breve História da Justiça do Trabalho. In: FERRARI, Irany et al. História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002.
[2] CARVALHO, José Murilo de. "A Utopia de Oliveira Viana". In: Revista estudos históricos, vol. 4, nº 07. Rio de Janeiro: 1991.

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