A perspectiva neuropsicológica do "chemobrain"
Cada vez mais pessoas sobrevivem ao câncer graças aos avanços médicos, mas muitas delas enfrentam um efeito colateral menos visível: o chemobrain, termo que descreve as dificuldades cognitivas que permanecem após a quimioterapia. Esse fenômeno, também conhecido como comprometimento cognitivo relacionado ao câncer, tem despertado interesse nos últimos anos devido ao seu impacto na qualidade de vida e no funcionamento diário dos pacientes.
As queixas mais frequentes incluem dificuldades de concentração, lentidão generalizada, esquecimentos constantes, dificuldade para encontrar palavras e sensação de "esgotamento mental". Embora geralmente leves, esses sintomas podem interferir nas atividades da vida cotidiana. Segundo uma revisão recente, essas dificuldades estão presentes em aproximadamente 40% das pessoas tratadas de câncer de mama, uma das populações mais estudadas nesse contexto.
Causas e mecanismos envolvidos
Os tratamentos contra o câncer, como quimioterapia, radioterapia ou terapia hormonal, podem afetar o funcionamento do cérebro. Esses tratamentos podem alterar a formação de novos neurônios, modificar a comunicação entre as células cerebrais e provocar inflamação em áreas importantes, como o hipocampo e o córtex pré-frontal, que estão relacionadas aos sintomas do chemobrain.
Sua causa é multifatorial — não se deve apenas aos efeitos neurotóxicos da quimioterapia, mas também ao impacto do próprio câncer, às alterações hormonais, à inflamação sistêmica, ao estresse emocional e à fadiga. Estudos de neuroimagem mostraram que alguns tipos de quimioterapia podem modificar a conectividade cerebral e a densidade da substância cinzenta em regiões envolvidas com a memória e as funções executivas.
Do ponto de vista da neuropsicologia, esse fenômeno é interpretado como uma disrupção da autorregulação cognitiva, em que o esforço para compensar as dificuldades acaba se traduzindo em fadiga e desconforto.
O impacto cognitivo do câncer e de seu tratamento
As principais funções cognitivas afetadas pelo chemobrain são a atenção, a velocidade de processamento, a memória de trabalho e as funções executivas. Também podem ser alteradas a fluência verbal e a memória episódica, o que explica a sensação de "mente nublada" descrita por muitos pacientes. No caso do câncer de mama, a combinação de tratamentos e as mudanças hormonais parecem aumentar a vulnerabilidade a essas dificuldades.
Avaliar corretamente a sintomatologia é fundamental para realizar intervenções individualizadas. Os testes neuropsicológicos permitem identificar quais funções apresentam déficits e quais permanecem como fortalezas, orientando o processo de intervenção. No entanto, a falta de consenso sobre instrumentos específicos para medir o chemobrain tem dificultado seu diagnóstico padronizado. Nesse contexto, a integração de ferramentas digitais tem aberto novas possibilidades: plataformas como a NeuronUP permitem realizar avaliações e treinamentos cognitivos personalizados, registrando a evolução do paciente em tempo real e ajustando o nível de dificuldade conforme suas necessidades.
A reabilitação cognitiva é, até o momento, a estratégia mais promissora para lidar com o chemobrain. Programas baseados em treinamento cognitivo, estratégias compensatórias e mindfulness têm mostrado melhorias em atenção, memória e funções executivas. Além disso, a adoção de hábitos saudáveis — como atividade física regular e técnicas de manejo do estresse — pode favorecer a recuperação.
É importante considerar que o objetivo não é apenas recuperar o desempenho anterior, mas também restabelecer a confiança, a autonomia e a qualidade de vida, já que o chemobrain afeta muito mais do que as funções cognitivas: ele impacta a identidade, a autoestima e a reintegração profissional, tanto pelos efeitos dos medicamentos quanto pela experiência emocional da doença. Por isso, a atenção psicológica e neuropsicológica deve ser considerada parte essencial do processo oncológico, e não um complemento opcional.
Os avanços em neuroimagem demonstram que, mesmo diante de danos estruturais, o cérebro tenta reorganizar suas redes para manter a funcionalidade. A reabilitação cognitiva, quando aplicada de forma precoce e personalizada, pode potencializar essa reorganização adaptativa. A pesquisa e a digitalização da avaliação e da intervenção, aliadas a uma abordagem empática e individualizada, são fundamentais para acompanhar as pessoas nesse processo de recuperação cognitiva e de reconstrução da vida.
(*) Martha Valeria Medina Rivera, neuropsicóloga da NeuronUP
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