A violência contra mulher: reflexo de uma sociedade patriarcal
A situação de violência de gênero no Brasil revela as configurações sociais de dominação que submetem as mulheres e as colocam em situações de risco eminente de morte. O direito das mulheres e meninas de existirem em sociedade sem medo de sofrerem abusos diversos e opressão é constantemente violado no Brasil, e os limites legais se mostram a partir da realidade observada como sendo insuficientes para efetivamente garantir proteção e segurança às vítimas em relação aos seus agressores.
O feminicídio trata-se de uma terminologia usual no ordenamento jurídico do país, bem como é uma realidade social multifacetada que reflete a perpetuação do patriarcado histórico e a cultura misógina que permeia nossa sociedade. O ódio e a intolerância em relação a mulheres e meninas, principalmente em relação aos grupos que vivem em vulnerabilidade socioeconômica, são manifestações de uma necropolítica de gênero que estratifica a vida das mulheres, tornando-as mais vulneráveis à violência. Segundo Moura (2022) a necropolítica refere-se ao exercício do poder da estrutura de sociedade patriarcal sobre a vida e a morte de mulheres, especialmente em contextos de violência de gênero.
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Este conceito denominado necropolítica refere-se ao controle e opressão que pode se manifestar de diversas formas, incluindo, violência doméstica e feminicídio, aborto inseguro e falta de acesso a direitos reprodutivos, estereótipos e normas de gênero que limitam a autonomia das mulheres, políticas e leis que discriminam as mulheres e perpetuam a desigualdade de gênero.
A violência no âmbito doméstico e no convívio familiar é um produto da violência estrutural que é perpetuada pela estrutura de sociedade majoritariamente patriarcal e racialmente hierárquica, visto que grupos sociais de mulheres negras e pardas estão dentre aqueles que mais sofrem violência de gênero no Brasil. É de fundamental importância reafirmar que as mulheres negras são maioria entre as vítimas, o que revela a interseção entre gênero e raça na motivação e autoria do feminicídio.
Uma pesquisa do Instituto DataSenado, datada de 2024, revela índices alarmantes relativos à violência contra mulheres no Brasil, especificamente no ano de 2022. Conforme os registros do Sistema Único de Saúde (SUS), 55% das mulheres brasileiras que sofreram algum tipo de violência notificada eram de origem afro-brasileira. Além disso, os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) indicam que 67% das vítimas de feminicídio no país pertenciam ao mesmo grupo racial.
Esses números evidenciam a interseção perversa entre o racismo estrutural e a desigualdade econômica, que amplifica os riscos e vulnerabilidades enfrentados por essas mulheres. Conforme o Atlas da Violência referente ao ano de 2024, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil tem enfrentado altíssimos índices de violência contra mulheres, especialmente aquelas negras e jovens. Em 2023, por exemplo, 63,6% das vítimas de feminicídio em todo o território nacional eram negras.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2024), o racismo estrutural e institucional, a interseccionalidade entre gênero e raça, bem como a falta de políticas específicas de proteção para mulheres negras, são fatores cruciais para entender os altos índices de violência contra esse grupo. Isso ocorre porque mulheres negras são historicamente mais vulneráveis a fatores que geram violência em comparação com mulheres não negras.
Conforme dados do IPEA (2024) ainda que os índices apontem para uma diminuição da taxa de homicídio de mulheres negras, em alguns estados da federação a trajetória foi oposta, indicando aumento da taxa. Nesse sentido a pesquisa do IPEA (2024) sugere que: Ceará (que teve um crescimento de 100% 42 Relatório Institucional Sumário da taxa), Piauí (48,4%), Roraima (31,8%), Rio Grande do Norte (16,3%), Maranhão (11,4%), Rondônia (10,3%), Mato Grosso (7,8%) e Rio Grande do Sul (2,3%).
De acordo com o Atlas da Violência 2024, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma das principais características que permite entender melhor as dinâmicas da violência com letalidade contra mulheres no Brasil é o local onde a morte ocorre. Em geral, é possível afirmar que a maioria dos feminicídios que acontecem dentro das residências da vítima é cometida por autores conhecidos dessas mulheres e meninas, como por exemplo, companheiros, irmãos, genitores e “pessoas próximas”.
A realidade cruel da violência de gênero no Brasil é ainda mais complexa devido à subnotificação dos casos, o que oblitera a compreensão precisa da magnitude do problema. Essa subnotificação não apenas distorce a percepção da gravidade da situação, mas também dificulta a elaboração de políticas públicas eficazes para combater essa chaga social. A violência de gênero é um problema multifacetado que requer uma abordagem integral. É necessário que o Estado brasileiro ofereça ajuda efetiva para mitigar os efeitos da violência e romper o ciclo de violência que afeta tantas mulheres no país.
É de fundamental importância que as mulheres sejam ouvidas e que a sociedade brasileira compreenda onde a violência contra mulher acontece. O problema requer que sejam criadas políticas de Estado que realmente ajudem a prevenir a violência contra as mulheres e protegê-las em territórios onde elas são mais vulneráveis. Erradicar a violência de gênero é lutar pelos direitos básicos das mulheres e pelo respeito à sua dignidade.
No Brasil, é urgente a implementação de políticas públicas duradouras que combatam as causas profundas da violência de gênero, como a cultura patriarcal e a intolerância social. É preciso que haja uma transformação significativa na maneira como a sociedade enxerga e trata as mulheres; é preciso desenvolver uma cultura de valorização da sua dignidade e dos seus direitos. Construir um futuro mais seguro e equitativo para as mulheres do Brasil passa obrigatoriamente pela revisão estrutural do modelo de educação centrado no sistema patriarcal, uma ideia totalmente equivocada e que provavelmente é a causa central dos altíssimos índices de feminicídio em todo o território nacional.
(*) Joel Mesquita, aluno do Programa de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso
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