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Carta-frete e caminhoneiros, por Ruy Sant’Anna

Por Ruy Sant’Anna (*) | 27/07/2012 08:14

Parece que a classe dos motoristas autônomos para transporte de cargas nasceu para amargar sofrimentos e angústias. Raramente consegue um pouco de oxigênio para respirar aliviado, a tranquilidade pessoal e principalmente da família.

Há pouco surgiu o que temiam: o diesel S50. Este combustível que veio no vácuo da proteção ambiental, por ser menos poluente que o diesel tradicional, é mais caro.

Outro complicador: essa novidade veio antes de um reajuste do preço do frete que está defasado.

Mais uma bomba de efeito imediato: o governo federal regulou a chamada “lei do descanso”. O que seria bom está atrapalhando a tranquilidade e luta pela sobrevivência desses valorosos homens e mulheres que transportam riquezas para todos os quadrantes no Brasil.

A “lei do descanso” também aparentemente boa para o motorista de transporte de cargas está sendo muito questionada.

Ouvi alguns profissionais. Um dos questionamentos é sobre a folga. As prestações vencem, a família precisa de melhorias e sobrevivência. Por essas e outras razões as posições teriam de ser mais técnica-profissional nesse quesito.

Nesse particular acredito que os assessores do governo não foram a fundo na questão. Não ouviram os interessados ou atingidos pela legislação. Tem de haver o meio termo, para dar certo.

Será que algum dia deputados, senadores e governo agirão com a razão, sem apenas o exibicionismo ou vaidade?

Qual a atitude do caminhoneiro que vem do nordeste brasileiro e estando perto de casa não poder prosseguir viagem por ter de cumprir a legislação?

O que falar do ponto de apoio ao caminhoneiro e as salas de espera... Pelas informações que tenho, não existem. Propaganda tem.

O País ainda precisa e muito do transporte rodoviário, principalmente pelas deficiências na logística e apoio que atrapalha a livre circulação de riquezas. Isso sem muito comentar sobre as deficiências de nossas estradas federais.

Mas, ampliemos o foco deste artigo.

“E aí quem quer carga pra Rondônia?” Essa pergunta que parece solução de alguma dificuldade no transporte de cargas, na realidade não é. E posso ser indagado, como assim? Os caminhoneiros não estão aí para transportar mercadorias?

Sim e não! Sim se a contratação fosse justa e com respeito à dignidade profissional, principalmente, do caminhoneiro.

E não, porque a regra a ser seguida pelo autônomo é a da carta-frete. Um particular: a carta-frete só não é detestada pelo motorista autônomo, que para não matar seu sonho profissional aceita-a para transportar mercadorias. E claro, quem aplaude ou se beneficia com ela são as transportadoras ou agentes.

A carta-frete é uma ordem de pagamento que é dada ao transportador autônomo pelo contratante do transporte, pelos serviços a serem prestados. O problema existe porque o autônomo praticamente viaja contando com esse recurso.

Via de regra, a carta-frete é trocada por combustível ou lubrificantes no caminhão, em postos de combustíveis. E estes atuam como se fossem verdadeiros bancos, descontando as tais cartas-frete. E claro, sempre com deságio no valor a ser pago ao caminhoneiro (deságio é a depreciação que sofre a carta-frete pagando sempre quantia menor). E mais, para o desconto o consumo do motorista tem de ser feito pelas ofertas no mesmo posto de combustível.

Também é comum que os postos pratiquem um preço diferenciado do diesel quando esse é pago via carta-frete, equiparando-se ao pagamento a prazo.

Após a troca da carta-frete por mercadorias, ocaminhoneiro recebe uma parte do pagamento do frete. Isto pode ocorrer através de dinheiro, depósito bancário ou cheque do posto (o qual costumeiramente é pré-datado, o que atrapalha ainda mais).

È importante dizer: esse papel é expedido sem maior formalidade legal porque o governo não o fiscaliza. E terá gente suficiente para agir?

A Resolução 3.658/11, de 19 de abril, entre outras determinantes, estabelece que o contratante que efetuar o pagamento do frete, no todo ou em parte, de forma diversa da prevista no documento, deverá ser multado em 50% do valor total de cada frete irregularmente pago, limitada ao mínimo de R$ 550 e ao máximo de R$ 10,5 mil. O texto prevê ainda multa (também de R$ 550 a R$ 10,5 mil) para quem realizar deságio no frete ou cobrança de valor para efetivar os devidos créditos.

O transportador autônomo que permitir o uso da carta-frete também será punido. Além de multa no valor de R$ 550, ele poderá ter seu registro nacional cancelado. A lei atinge também o transportador autônomo que poderá ter sua licença cassada ao não cumprir a Resolução.

O estranho é que existe essa Resolução 3658/11 de 19 de abril daquele ano que proíbe o uso da carta-frete. Tem até multa fixada, no caso do pagamento do frete, no todo ou parte, de maneira diferente da determinada pela carta-frete. Pretende essa Resolução evitar a perda do valor de face da carta-frete.

O texto prevê também multa de R$ 550 ao máximo de R$ 10,5 mil para quem fizer deságio no frete ou cobrança de algum valor para fazer os devidos créditos. Fiscalizará tais exigências?

O novo sistema permite ao governo recolher Imposto de Renda e outros encargos sociais.

Porém a regulamentação apesar de poder ser cobrada, está com sua validade provisoriamente suspensa. O pior é que a não aplicação da lei, tende torná-la uma “lei que não pegou”. Entre tantas. Gente, ela deveria ser executada desde 19 de abril de 2011...

Muitos autônomos são contra a carta-frete, pelo receio da falta de estrutura governamental na fiscalização da emissão e uso da mesma. Comentam que é praticamente impossível resistir à carta-frete, desde que não seja terminantemente proibida. O autônomo que não a aceita pode ficar mal visto no seu meio, e “ir pra geladeira”, sem transporte.

Os motoristas transportadores do progresso e desenvolvimento brasileiro merecem minha admiração e respeito. Na maioria pagam impostos e taxas sem nem saber pra onde vai o seu rico dinheiro, mas pagam. E “acho” que o governo acredita nisso: o medo do caminhoneiro ser multado.

Acompanho sua luta, caro caminhoneiro autônomo ou não e, tanto quanto você espero que seus sonhos sejam respeitados e realizados. Receba o meu bom dia, o meu bom dia pra você.

(*)Ruy Sant’Anna é advogado e jornalista.

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