Como garantir a perpetuidade dos ativos vivos no Agronegócio
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), a criação de cavalos no Brasil movimenta cerca de R$ 30 bilhões anualmente, emprega mais de 3 milhões de pessoas, de modo a ocupar lugar de destaque no agronegócio nacional.
Para se ter uma ideia do peso econômico, um único cavalo pode chegar a valer R$ 160 milhões. Esse foi o caso do premiado garanhão, Gênesis 66, da raça Quarto de Milha, que recebeu um lance de R$ 80 milhões por 50% de sua propriedade em leilão histórico realizado no estado de São Paulo.
Em julho de 2025 foi realizado em Indaiatuba uma das etapas da Global Champions Arabians Tour (GCAT), fazendo parte do circuito internacional dedicado à valorização dos cavalos árabes, evento que terá a participação do Sheik do Catar, Mohammed bin Nasser Al Thani, atual diretor executivo do evento, justamente em razão da importância do Brasil ao ocupar a quarta posição global em rebanho equinos, com 5,5 milhões de animais.
Embora a compra de um animal em partes possa parecer incomum à primeira vista, essa prática vem se consolidando entre os criadores e investidores.
O chamado investimento em cotas de cavalo possibilita a aquisição compartilhada de propriedade com finalidade de exploração econômica, viabilizando a divisão dos custos de manutenção – como alimentação, cuidados veterinários, haras e treinamento – bem como da partilha dos lucros provenientes dos prêmios, das vendas de coberturas, dos embriões e/ou do próprio animal. A venda de óvulos e embriões, em 2024, envolveu mais de R$ 12 milhões, segundo dados da Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos Árabes (ABCCA).
Além dos cavalos de porte, o mercado de material genético bovino tem se mostrado promissor no país. Somente nesse primeiro trimestre de 2025, houve um crescimento de 10% na movimentação de doses de sêmen no mercado brasileiro, segundo dados da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (ASBIA).
O fato é que, com o avanço da produtividade e da eficiência genética, esses semoventes passam a representar ativos patrimoniais das famílias do agronegócio.
E a pergunta que fica é: será que as famílias estão se planejando para perpetuar esse patrimônio entre as gerações?
Desafios na Transmissão de Ativos Vivos
A sucessão de bens imóveis urbanos, veículos ou aplicações financeiras costuma ser mais simples quando comparada à transmissão de ativos vivos, como animais competidores ou reprodutores, além do material genético armazenado, como sêmen e embriões, que envolvem custos contínuos, tomadas de decisões técnicas e estratégicas para sua gestão.
No caso da aquisição compartilhada de cotas de cavalos reprodutores, por exemplo, o falecimento ou a incapacidade de um dos cotistas/proprietários levanta dúvidas práticas como: Quem assume os custos de manutenção? Quem terá direito aos prêmios conquistados ou na comercialização das coberturas reprodutivas? Quem tomará as decisões de gestão do animal?
Os cavalos que não tenham os devidos cuidados podem se desvalorizar rapidamente. Além disso, como os custos de manutenção não cessam durante o inventário, se prolongado os conflitos familiares, o patrimônio pode ser facilmente dilapidado para arcar com as despesas operacionais, judiciais e cartorárias.
Ferramentas de Planejamento
Assim como a relação com terra, o cuidado com animais de alto valor genético e competitivo, exige profissionalização, conhecimento técnico e prática nos negócios familiares. Um cavalo de competição, por exemplo, que não tenha os devidos cuidados poderá ser desvalorizado rapidamente.
Por meio de instrumentos jurídicos adequados de planejamento patrimonial, como testamentos e diretivas antecipadas de vontade, é possível assegurar que os desejos desse criador sejam respeitados, mesmo após sua morte ou eventual incapacidade.
Esses documentos permitem, por exemplo, (i) a nomeação de herdeiros que tenham vocação para administrar a propriedade e os animais, designando-o como responsável pela continuidade da atividade e/ou pela custódia do material genético, enquanto os outros herdeiros podem receber compensações financeiras ou participações proporcionais aos lucros gerados pelo negócio familiar; (ii) estabelecer direcionamentos estratégicos, com a indicação de um responsável técnico pelo manejo do banco genético ou conselheiros profissionais para apoiar as tomadas de decisão, garantindo a preservação e expansão dos interesses econômicos da família.
O planejamento sucessório, portanto, vai muito além da transmissão dos bens, é um ato de cuidado com o futuro das famílias, assegurando a perpetuidade do patrimônio, da terra e dos negócios que dela derivam.
(*) Laura Santoianni Lyra Pinto e Samantha Teresa Berard Jorge, advogadas especialistas em planejamento patrimonial e sucessório, direito de família e sucessões
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