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Da verdade dos fatos à Comissão da Verdade

Bruno Peron Loureiro (*) | 03/06/2012 08:17

Pouco se sabe sobre as violações aos direitos e deveres durante o regime militar no Brasil, de 1964 a 1985. Algumas tentativas de "encurralar", "envergonhar" e "escancarar" os fatos do período pelo jornalista Elio Gaspari contrastam com o silêncio que ainda se mantém oficialmente sobre os nomes daqueles que sofreram perseguições, torturas e desaparições.

Esta interrupção na evolução do período republicano não deve passar despercebida e impune, segundo as políticas da equipe do governo do Partido dos Trabalhadores e a sugestão de movimentos sociais e organismos de direitos humanos - inclusive internacionais. A justiça, para eles, "tarda mas não falta" onde quer que seja. Tarda muito, por certo.

Neste cenário, o jurista Lauro Joppert Swensson Júnior esclarece, no artigo Repensar o passado, que o mecanismo de Justiça de Transição efetivou-se no Brasil mediante o lançamento do livro Direito à memória e à verdade, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos - Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em solenidade no Palácio do Planalto em agosto de 2007. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava em seu segundo mandato. A Justiça de Transição é um conjunto de abordagens, estratégias e mecanismos jurídicos (Organização das Nações Unidas. The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies, 2004) cujo propósito é debater sobre a transição de um regime autoritário para um democrático.

Comissões da Verdade não existem somente no Brasil. Segundo a Cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo, 39 destas Comissões formaram-se no mundo até 2010. O objetivo da nossa Comissão da Verdade, em seu turno, não é o de punir senão esclarecer e tornar públicas as violações aos direitos humanos, criar mecanismos institucionais para evitar a impunidade, escutar as vítimas, e oferecer respaldo para políticas de justiça e reparação dos danos cometidos durante o regime autoritário.

Dilma Rousseff nomeou sete integrantes em maio de 2012 para conduzir os trabalhos que culminarão no Relatório da nossa Comissão da Verdade. Terá, como membros, um ex-ministro da Justiça, um ministro do Superior Tribunal de Justiça, uma advogada, um ex-procurador geral da República, um professor e diplomata, uma psicanalista, e um jurista. O período da avaliação será mais abrangente que o da ditadura: de 1946 a 1988.

Ideias progressistas cultivam-se a partir da conciliação entre o que se propõe como necessário para o desenvolvimento do país e a escuta a demandas de segmentos diversos da sociedade. Portanto, minha intenção aqui é fazer uma análise sucinta que não se detenha nem num esquerdismo apaixonado nem num conservadorismo nacionalista.

Em notícia do jornal Estadão (EUA podem ajudar Brasil a abrir 'caixa de pandora' da ditadura, diz especialista, 16 de maio de 2012), cogitou-se a participação de "um especialista americano em obter acesso a arquivos confidenciais históricos" para apurar estas violações durante o período militar a que me referi. Entretanto, impressiona a naturalidade como se sugere esta intervenção no Brasil pelo país mais envolvido como financiador das atrocidades civis cometidas na América Latina enquanto o australiano Julian Paul Assange, criador do WikiLeaks, foi punido quando divulgou informações sigilosas sobre a diplomacia estadunidense.

A crítica às Forças Armadas brasileiras - que se constituem pela Força Aérea Brasileira, Exército Brasileiro, e Marinha do Brasil - parte mais do desconhecimento de analistas e repórteres da imprensa que dos objetivos do trabalho da Comissão da Verdade. Em nossa época de incertezas bélicas e invasões extraterritoriais, o que seria de um país sem uma instituição militar acreditada, coerente e forte, ainda que para fins de dissuasão política? Basta (des)informar-se sobre o que tem acontecido com o Inverno Árabe na África Setentrional e no Oriente Médio. Portanto, as Forças Armadas como instituição não se podem condenar pelo erro histórico de parte de seus integrantes.

As violações aos direitos humanos do período militar no Brasil certamente se devem revelar para que o grito argentino pelo "Nunca Mais" materialize-se na cultura democrática que se constrói em nosso país e na América Latina. Quando possível, os responsáveis, se ainda estiverem vivos, também devem ser punidos para que as instituições brasileiras se solidifiquem a tal ponto que nenhuma instabilidade eventual justifique medidas autoritárias.

Esperamos que a verdade dos fatos elucide a importância da Comissão da Verdade sem desmerecer o papel das nossas Forças Armadas neste período de robustecimento da democracia, visto que a transição do regime autoritário já ocorreu.

(*) Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos por Filos/ UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México).

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