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Discutindo física quântica no ensino médio

Júlio César Lucero (*) | 19/01/2022 08:30

Tradicionalmente é raro o ensino de Física Moderna e Contemporânea no ensino médio. No Rio Grande do Sul, não há na Matriz de Referência de 2021 tópicos de Física Moderna e Contemporânea a serem estudados no ensino regular. Essa inclusão, portanto, dependeria de os professores colocarem esses conteúdos como materiais extras. Tais temas, porém, são, na sua grande maioria, de conhecimento de licenciados em Física – que representam apenas 25% dos professores da disciplina no ensino médio, sendo a Física também ministrada por licenciados em matemática.

Neste artigo, trago um relato de experiência didática na modalidade remota sobre Física Moderna e Contemporânea desenvolvida por meio da disciplina de Estágio de Docência em Física III dos cursos de Licenciatura em Física da UFRGS. O estágio ocorreu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul/Câmpus Farroupilha durante o último semestre de 2021.

A disciplina de Estágio de Docência em Física faz parte da última etapa das licenciaturas em Física e consiste na experiência de estágio em turmas do ensino médio. Com a pandemia da covid-19, a atividade, e consequentemente o estágio em si, passou a ser realizada remotamente. Nela foram realizadas reflexões acerca do trabalho docente por meio da leitura e de discussões de textos que tratam do tema. Além disso, na disciplina houve orientações quanto aos períodos de observação e regência no estágio, além de ensaios das aulas aplicadas na instituição de ensino.

Falando sobre a instituição de ensino, o IFRS Câmpus Farroupilha é uma instituição de ensino federal, pública, gratuita e de qualidade. As aulas vinham ocorrendo na modalidade remota desde o início da pandemia, porém retornaram presencialmente em outubro de 2021. Com o retorno presencial, o estágio foi afetado. Com isso, alterei o planejamento das aulas que iriam ser regidas, como a quantidade e a modalidade. As aulas passaram a ser presenciais, com o professor e os estudantes no ambiente escolar, e eu participando remotamente por meio de uma chamada de vídeo. A regência ocorreu entre os dias 8 e 21 de outubro.

Em todo início de aula foi apresentado pelo professor um vídeo gravado por mim introduzindo e discutindo um tópico de Física. Após o vídeo, o professor guiava uma discussão com os estudantes para, em seguida, realizar uma atividade, como resolver problemas em grupos. Nesse sentido, tanto o professor quanto eu estivemos presentes mediando as discussões e orientando os estudantes.

Com o objetivo de favorecer uma aprendizagem significativa e tornar o processo de ensino-aprendizagem ativo e centrado nos estudantes, foram realizadas algumas contextualizações e problematizações, o que foi favorecido pelo potencial do tema de gerar essas discussões.

Foram realizadas dentro do período de regência quatro aulas, uma atividade prévia e dois plantões de dúvidas. A primeira aula foi a apresentação minha e um panorama da unidade didática, além de uma revisão de conteúdos de ondulatória, focando nos fenômenos ondulatórios de difração e interferência. A segunda aula foi sobre ondas eletromagnéticas e teve como pontos centrais o experimento da dupla fenda, que teve papel significativo na corroboração da teoria ondulatória da luz no século XIX, além do termômetro infravermelho, que foi amplamente difundido e debatido, recheado de fake news, durante a pandemia. Exemplos podem ser conferidos em matérias do G1 e do Catraca Livre.

As duas primeiras aulas não entraram diretamente em conceitos da física quântica, mas foram importantes pontos de partida, pois adotei nas discussões sobre o tema da interpretação ondulatória. Para introduzir conceitos de física quântica, os estudantes leram e responderam algumas perguntas em uma atividade prévia. As dificuldades deles, dessa forma, foram consideradas na preparação do vídeo que iniciou a terceira aula, que tratou da radiação de corpo negro e do efeito fotoelétrico. Além disso, para a discussão deste último tópico, utilizei o projeto que vem sendo desenvolvido entre o governo estadual, a UFRGS e a empresa HyperloopTT para a construção de um modal de transporte ultrarrápido entre Porto Alegre e Caxias do Sul. O projeto prevê o uso de energia renovável, por meio da instalação e utilização de placas solares ao longo do trajeto.

A quarta e última aula teve como ponto central novamente o experimento da dupla fenda. Esse tema foi discutido levando-se em consideração a teoria corpuscular para a luz, utilizada para explicar o efeito fotoelétrico debatido na aula anterior e a dualidade onda-partícula inicialmente proposta pelo físico Louis de Broglie em 1924. Dessa forma, passamos a interpretar a luz e as partículas, como o elétron, como objetos quânticos: objetos subatômicos que possuem propriedades ondulatórias e corpusculares. Outro ponto de discussão da aula foi a problematização de serviços e produtos relacionados ao misticismo quântico, isto é, serviços e produtos que utilizam conceitos, leis e teorias da física quântica para se mostrarem relevantes e se venderem, como o coach quântico, a gestão quântica e muitos outros.

A discussão sobre física quântica realizada foi apenas um recorte de todo o conhecimento que vem sendo desenvolvimento desde o início do século XX.

De qualquer forma, a discussão desses tópicos – e de outros que não apareceram aqui, como a teoria da relatividade e a física nuclear – no ensino médio se torna importante e necessária, tendo em vista que, primeiro, é a área da física mais recente e mais difundida na mídia e nas redes sociais e, segundo, porque possui um grande potencial para a discussão da natureza da ciência e suas relações com a sociedade, o que é imprescindível para uma educação científica pública e de qualidade.

(*) Júlio César Lucero é licenciado em Física pela UFRGS.

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