ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
AGOSTO, DOMINGO  24    CAMPO GRANDE 18º

Artigos

Sacrifícios ou escolhas?

Por Cristiane Lang (*) | 24/08/2025 13:30

Na vida, é comum ouvirmos pessoas dizerem que se sacrificaram por alguém ou por algo. O discurso, em geral, carrega um tom de renúncia, como se a pessoa tivesse sido forçada pelas circunstâncias a abrir mão de algo essencial em nome de outra coisa. No entanto, quando olhamos com mais atenção, percebemos que, na maioria das vezes, o que chamamos de “sacrifício” nada mais é do que uma escolha. E essa distinção é fundamental para que possamos compreender a responsabilidade que temos sobre os caminhos que seguimos.

O peso das palavras

“Sacrifício” sugere dor, imposição, martírio. Ele carrega a ideia de que algo nos foi tirado ou que fomos obrigados a abrir mão de nossas vontades para agradar a outros ou para atender a exigências externas. Já “escolha” remete a autonomia, consciência e decisão. Quando digo que escolhi algo, estou reconhecendo que, mesmo diante de alternativas difíceis, a decisão partiu de mim.

Ao confundir uma escolha com um sacrifício, acabamos negando a nossa própria capacidade de decisão. Essa inversão gera ressentimentos, frustrações e até uma sensação de injustiça diante da vida. Afinal, se tudo é “sacrifício”, então estamos sempre na posição de vítimas, e não de protagonistas da nossa história.

Ninguém nos obriga inteiramente

É verdade que existem contextos de pressão social, econômica e cultural que influenciam nossas decisões. Muitas vezes, escolhemos dentro de um leque reduzido de possibilidades. Mas ainda assim, há uma decisão. Optar por trabalhar mais horas para sustentar a família, abrir mão de um sonho pessoal para cuidar de alguém ou deixar de lado um desejo para priorizar a estabilidade não deixa de ser uma escolha. Dura, pesada, mas escolha.

Quando rotulamos essas decisões como “sacrifícios”, estamos nos afastando da responsabilidade sobre elas. Isso nos coloca numa posição perigosa, porque abre espaço para a cobrança futura: “Eu me sacrifiquei por você” ou “eu entreguei a minha vida e não recebi nada em troca”. Essas frases, tão comuns, carregam ressentimento porque partem da ideia de que algo nos foi imposto, quando, na realidade, houve consentimento.

Escolhas conscientes libertam

Assumir que o que chamamos de sacrifício foi, na verdade, uma escolha, pode ser doloroso num primeiro momento. Afinal, significa reconhecer que não fomos obrigados, mas sim que decidimos abrir mão de algo em favor de outra prioridade. Contudo, esse reconhecimento também é libertador, porque nos devolve a autoria da nossa vida.

Quando vejo minhas renúncias como escolhas, posso olhar para elas com maturidade: “eu escolhi isso porque, naquele momento, fazia sentido” ou “eu decidi abrir mão daquilo porque priorizei outra coisa”. Essa forma de pensar tira o peso da culpa e do ressentimento, porque não há uma dívida eterna a ser cobrada.

O perigo do discurso do sacrifício

Dizer que vivemos em sacrifício constante cria uma narrativa de dor permanente. Quem vive se colocando nesse papel corre o risco de alimentar uma vida amarga, baseada na espera de reconhecimento ou de compensação. O problema é que raramente esse reconhecimento vem na medida esperada — e a sensação de injustiça cresce.

Quando, ao contrário, reconhecemos nossas escolhas, mesmo que difíceis, passamos a lidar melhor com seus frutos. Isso não significa que não haverá dor ou frustração, mas sim que haverá clareza: fizemos o que parecia melhor diante do que tínhamos.

Escolhas moldam o futuro

A maturidade está em compreender que toda escolha implica renúncia, mas nem toda renúncia precisa ser chamada de sacrifício. Se escolho investir na minha carreira, posso estar renunciando a certos momentos de lazer. Se escolho formar uma família, talvez precise abrir mão de alguns planos individuais. Essas são decisões que moldam o futuro, não prisões impostas pela vida.

A diferença entre viver em sacrifício e viver em escolha está no olhar que damos às nossas decisões. Quem assume suas escolhas se vê como agente da própria trajetória; quem se coloca apenas como alguém que “se sacrificou” para os outros, acaba preso a um papel de mártir, que raramente traz satisfação.

Não podemos afirmar que estamos nos sacrificando se as escolhas foram nossas. É claro que nem sempre escolhemos em condições ideais, mas ainda assim há um movimento de decisão que precisa ser reconhecido. A vida é feita de renúncias, sim, mas elas não precisam ser vistas como martírios. Quando assumimos a responsabilidade de nossas escolhas, deixamos de viver no peso do sacrifício e passamos a viver na consciência daquilo que decidimos priorizar. E isso muda tudo: porque quem escolhe, mesmo diante da dor, continua sendo livre.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.