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Digitar antes de saber ler

Por Ruy Castro (*) | 25/08/2025 07:50

Uma amiga falava ao celular com um pintor. Ele lhe contava empolgado como comprara pela Amazon um lote de pincéis especiais que lhe custara metade do preço das lojas. No dia seguinte, minha amiga, que não sabe desenhar nem casinha com chaminé, foi bombardeada pelo celular com ofertas de pinceis de todos os tipos e preços. Não era coincidência –coisa parecida já lhe acontecera antes. O celular escutara a conversa e vira nela uma cliente em potencial do produto.

Já me disseram que um celular desligado, deixado casualmente na mesa ao lado enquanto conversamos, ouve e registra o que falamos. Se for verdade, é como ter um espião dentro de casa. Quero crer que o interesse do bicho em nos xeretar não tenha a ver com nossa intimidade, mas com o objetivo de nos vender algo. Às vezes, somos nós mesmos que fornecemos a chave de casa —quando damos o CPF nas farmácias, estamos descrevendo a um arquivo longe dali nosso excesso de gases ou carência de glóbulos vermelhos e por que compramos este ou aquele remédio.

E finalmente começa a se atentar para o caso das crianças. Um celular na mão delas é mais perigoso que uma navalha, uma granada ou uma pistola com seis balas no pente —com o agravante de que essas armas só se voltam contra elas. A tragédia não se limita aos sites de exploração de menores por pedófilos de todos os tipos, hoje sendo flagrados e denunciados. O diabólico é que esses sites estão aprendendo a se defender —conseguindo detectar sinais de "perigo", como a presença de pais ou responsáveis na proximidade da criança.

Pesquisas recentes afirmam que o brasileiro passa o absurdo de três horas por dia nas redes sociais. Outras calculam em 140 bilhões nosso número de interações diárias com o ChatGPT. Somos o terceiro país que mais usa a "ferramenta", atrás só dos EUA e da Índia.

E já ouvi falar também de crianças que aprenderam a usar o teclado do celular muito antes de aprender a ler. Se o celular pode ter o efeito de uma droga, seus traficantes são seus pais.

(*) Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues e membro da Academia Brasileira de Letras

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.