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Lições dos orçamentos participativos latino-americanos diante da pandemia

Alfredo Alejandro Gugliano (*) | 15/05/2022 13:30

A pandemia de covid-19 afetou várias formas de participação política. Atividades que necessitam de contato público por meio de reuniões e assembleias tiveram sua dinâmica atingida pela proibição de atividades que gerassem agrupamento de pessoas. Isso fez com que muitas ações fossem suspensas, mas também permitiu que instituições participativas tentassem se reinventar.

O caso dos orçamentos participativos latino-americanos é ilustrativo disso, pois a maioria das cidades que implementava a proposta teve que decidir entre três possibilidades: suspensão/cancelamento; manutenção da proposta com reuniões presenciais; ou, ainda, o desenvolvimento de atividades em formato remoto ou misto.

Sobre isso, os dados que temos demonstram que a suspensão/o cancelamento foi a estratégia adotada pela maioria dos gestores que desenvolveram a proposta em anos anteriores, o que foi justificado de várias maneiras. Parte importante das cidades que optaram por esse caminho alegaram que a realização dessas reuniões aumentaria os riscos de contaminação, devido à possibilidade de muitas pessoas estarem reunidas no mesmo espaço e sem o distanciamento adequado. Cidades onde historicamente essa atividade era realizada, como no caso da Cidade do México ou das argentinas Morón e Rosario, não apenas cancelaram a proposta, como redirecionaram seus recursos para outras prioridades.

Mas não faltaram gestores que decidiram numa direção contrária: diversas cidades da região mantiveram o funcionamento presencial dos orçamentos participativos independentemente da crise sanitária mundial.

A esse respeito, o caso peruano é especialmente interessante porque, apesar de o governo nacional ter implementado um decreto nacional de emergência suspendendo reuniões públicas, várias cidades continuaram com a dinâmica dos orçamentos participativos em formato presencial. Algo parecido aconteceu na República Dominicana, onde um número significativo de localidades fez o mesmo. E, no Equador, também diversos governos locais mantiveram as assembleias paroquiais nas quais as pessoas votaram em prioridades de obras e projetos sociais.

Contudo, a grande novidade em termos dos orçamentos participativos num contexto pandêmico foi que vários governos municipais resolveram reinventar a proposta em formato virtual. Em alguns casos, 100% das atividades se deram dessa forma; em outros, optou-se por mesclar atividades presenciais com remotas.

No campo dessas inovações, na Colômbia ocorreram experiências importantes. Buscando que a pandemia não interferisse no calendário participativo, a Prefeitura de Medellín concluiu o orçamento participativo 2020/2021 em formato virtual, com a participação de mais de 130 mil pessoas. Uma plataforma virtual foi criada, Medellín Decide, na qual cada cidadão com mais de 14 anos poderia se cadastrar, preencher alguns dados e votar em projetos que consideram prioritários para a região em que vivem, incluindo investimentos dirigidos ao combate da pandemia. A cidade de Chía, no departamento de Cundinamarca, também empregou um sistema para que as pessoas pudessem participar de deliberações de orçamento participativo usando seus celulares: o ChiaApp. Já a capital Bogotá desenvolveu um sistema misto em que qualquer cidadão, com base em certas regras, poderia apresentar virtualmente propostas de investimentos orçamentários participativos, previstos para um total de dois bilhões de pesos. Além disso, o modelo incluiu a possibilidade de participação na votação de projetos em assembleias temáticas em formato presencial ou virtual.

No Peru, a prefeitura de Molina considerou que a emergência sanitária não poderia ser justificativa para suspender a participação cidadã – portanto, investiu em um sistema de participação online. O mesmo caminho foi seguido pelo município de Independencia. No Chile, a cidade de Penãlolén, que tem um orçamento participativo desde 2008, conseguiu envolver quase 10% de sua população na votação online do orçamento participativo, definindo os principais projetos que serão implementados na cidade.

O formato virtual também foi adotado em várias cidades brasileiras. Em Guarapari (ES) foi criado um sistema onde as pessoas votaram virtualmente as políticas públicas que seriam implementadas na cidade – seja via celular, seja por meio de urnas localizadas especialmente nas regiões rurais. Em Uberaba (MG), o município disponibilizou um formulário online no qual os cidadãos puderam comentar sobre desafios e perspectivas para a cidade. Estratégia semelhante foi realizada na cidade de Cubatão (SP), onde o orçamento participativo foi adaptado para a apresentação de formulários online com propostas preestabelecidas, complementadas por audiências públicas virtuais sem caráter deliberativo.

Sobre o tema, é necessário sublinhar que o uso dessas ferramentas digitais nos orçamentos participativos não chega a ser uma novidade. A inovação, contudo, está no fato de que um número maior de cidades passou a implementar essa alternativa.

Ademais, o isolamento exigido pela pandemia estimulou a modernização das plataformas de participação eletrônica a partir da criação de apps de celular. Isso não só agilizou a capacidade de as pessoas se integrarem às instituições participativas, mas também potencializou um maior controle social sobre a execução das políticas públicas advindas desse processo.

Ainda é cedo para afirmar que essas mudanças vieram para ficar, assim como é prematuro comemorar essa implantação. O contexto da pandemia causou, entretanto, mudanças importantes na forma da participação política da sociedade que devem ser avaliadas, notadamente desde o prisma da ampliação dos mecanismos a partir dos quais as pessoas são empoderadas para interferir nos rumos das políticas públicas.

(*) Alfredo Alejandro Gugliano é doutor em Ciencias Políticas y Sociología pela Universidad Complutense de Madrid e professor titular do departamento de Ciência Política da UFRGS.

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