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Menos sódio, por favor!

Por Ana Paula Bortoletto (*) | 06/07/2019 10:12

O consumo excessivo de sódio pode provocar aumento da pressão sanguínea e hipertensão, uma doença crônica que atinge cerca de um quarto da população adulta que vive nas capitais do país. O brasileiro consome cerca de 5 g de sódio por dia, valor que excede em mais de duas vezes o limite recomendado de ingestão (2g/dia). A maior parte do sódio consumido no Brasil hoje vem do sal de cozinha, pois o padrão alimentar do brasileiro, felizmente, ainda é baseado em alimentos frescos e refeições preparadas a partir da combinação de alimentos e ingredientes culinários. Apesar disso, pesquisas de orçamentos familiares no país indicam o aumento do consumo de sódio contido em alimentos prontos para o consumo com adição de sal (de 16% para 19%). Esse aumento fica ainda mais intenso com o aumento da renda (de 12% entre os 20% mais pobres para 27% entre os 20% mais ricos).

O monitoramento do sódio faz parte das ações de vigilância à saúde previstas em diversas políticas e planos do Ministério da Saúde, incluindo a Política Nacional de Promoção de Saúde e o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis. Nesse contexto, o Plano Nacional de Redução de Consumo de Sal prevê a redução voluntária de sódio em alimentos processados, aumento da oferta de alimentos saudáveis, rotulagem e informação ao consumidor, educação e sensibilização para consumidores, indústria, profissionais de saúde.

Desde 2009, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária monitora os valores de sódio de alimentos processados no Brasil, tendo em vista o aumento das doenças cardiovasculares e hipertensão na população brasileira. Até o momento, três relatórios de monitoramento foram divulgados. O Idec resolveu analisar a fundo esses relatórios para entender quais são os dados obtidos e de que maneira estão sendo utilizados, considerando a grande importância e relevância dessas ações para a saúde pública.

No primeiro ano de monitoramento (2009), os alimentos industrializados selecionados para serem avaliados foram aqueles usualmente consumidos pela população brasileira que são caracterizados por apresentarem alta quantidade de sódio, gordura saturada e açúcares. Esse primeiro monitoramento foi adotado como linha de base para as metas de redução de sódio dos alimentos processados estabelecidas em acordos voluntários entre Ministério da Saúde e associações do setor produtivo e é considerado uma referência oficial para avaliação dos dados providos pelas indústrias. Esses acordos possuem metas estabelecidas para a redução gradativa do teor de sódio até 2020 de diversas categorias de alimentos. Já foram assinados 4 acordos que contemplam grupos de alimentos diferentes. O último foi assinado nesse mês, com metas de redução de sódio para alimentos embutidos, queijo muçarela, requeijão e sopas prontas.

Desde então, a Anvisa continuou o monitoramento, focado no teor de sódio dos alimentos industrializados. Avaliando os três informes técnicos divulgados pela Agência (IN 42/2010, IN 50/2012 e IN 54/2013), nota-se que, dentre as 47 categorias de alimentos monitoradas, 18 foram avaliadas pelo menos duas vezes e apenas cinco foram analisadas nos três anos de monitoramento: batata palha, biscoito de polvilho, macarrão instantâneo, refrigerante light e salgadinhos de milho (entre essas, apenas três possuem metas de redução de sódio). Cabe destacar que a metodologia para a coleta de amostras, os laboratórios, o número de amostras e as categorias de alimentos analisadas diferem entre os três anos, o que dificulta a comparação do teor de sódio da mesma categoria e o monitoramento efetivo das metas.

Dentre as categorias estudadas nos 3 anos, observa-se que houve redução da quantidade média de sódio apenas do macarrão instantâneo, que apresentava em 2009 valores absurdamente elevados (mais de 3200mg/100g) e estavam acima da meta de redução. Esse valor foi reduzido pela metade em 2012, ficando baixo dos 1920,7 mg exigidos no acordo. A batata palha e o salgadinho de milho também possuíam metas de redução para 2012, que já haviam sido alcançadas em média pelas marcas analisadas desde o começo do monitoramento. O biscoito de polvilho, um dos produtos que ainda não possui meta de redução de sódio, vem aumentando a quantidade média de sódio desde 2009, sendo que o valor atual está próximo ao do macarrão instantâneo (cerca de 1500mg/100g). Por fim, a média de sódio do refrigerante light, que é mais de 10 vezes menor do que todas as outras categorias mencionadas, não variou muito nos três anos de monitoramento. Na verdade, dizer que o refrigerante light possui muito sódio por conta do uso de adoçantes artificiais é um mito. Este produto está associado a hábitos alimentares não saudáveis sim, mas não por esse motivo.

Em relação aos alimentos com duas informações de monitoramento, observa-se que as categorias de alimentos que mais reduziram o teor médio de sódio foram o queijo parmesão e o queijo minas frescal, mesmo sem ter metas de redução. As categorias que apresentaram aumento no teor de sódio maior do que 10% foram os refrigerantes regulares, os biscoitos salgados, os biscoitos de amido de milho (maisena) e o queijo prato.

Os dados dos informes técnicos da Anvisa confirmam os resultados da pesquisa do Idec que verificou que as metas estabelecidas são insuficientes para a redução efetiva do teor de sódio dos alimentos processados, já que são cumpridas pela maioria das empresas. Ainda, não foi possível identificar nenhum padrão de monitoramento em relação à seleção das categorias de alimentos analisadas (já que apenas cinco foram monitoradas nos três anos) e à comparação com as metas estabelecidas (não há nenhuma menção nos INs). Por fim, nota-se que não há nenhum destaque para categorias de alimentos que possuem alto teor de sódio ou estão aumentando o teor desse mineral, porém não possuem metas de redução.

Diante desses resultados, é necessário que o papel da Anvisa enquanto agência de vigilância do Ministério da Saúde seja fortalecido e apoiado, para que o monitoramento do teor de sódio nos alimentos processados no Brasil se coloque de fato como estratégia de controle das doenças crônicas não-transmissíveis. Caso contrário, continuaremos reféns apenas do que é declarado pelos próprios fabricantes, sem um controle efetivo por parte do governo sobre a eficácia desta política pública.

(*) Ana Paula Bortoletto é líder do programa de alimentação saudável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

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