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Na terra de Manoel de Barros, jovens precisam de “alvará” para recitar poesia

Por Teylor Fuchs (*) | 29/04/2018 14:33

Ontem, junto com meus filhos, resolvemos participar da 4º edição do Slam Campão – Liberdade ainda que tardia, na Praça do Rádio. O "Slam Campão" é uma batalha de poesias onde cada competidor declama suas poesias em até 3 minutos, sem adereços, figurinos ou música/beat e o júri é popular.

Segundo seus organizadores, “é um espaço para que o sagrado direito à liberdade de expressão, o livre pensamento e o diálogo entre as diferenças sejam exercitados.

Um espaço autônomo onde é celebrada a palavra, a fala, e, ainda mais fundamental num mundo como o que vivemos - o ouvir”.

Chegamos às 18h à Praça, uma hora após o início, segundo as informações do evento que estava no Facebook. De longe já podemos observar toda diversidade da juventude, seus mais variados cabelos, trajes, piercings, tatuagens, alargadores, uma mistura de cores, crenças e valores e uma multiplicidade de liberdade. Nós olhamos e sentimos abraçados.

Ao nos aproximarmos, percebemos uma certa tensão “no ar”. Eis que minha filha olha para o lado e comenta: “nossa, que exagero”. Eram cinco guardas municipais armados, um deles com uma escopeta ou algo que, por ignorância nesse assunto, desconheço o nome.

Fui conversar com algumas pessoas para saber o que estava acontecendo, me disseram que estavam proibindo o “rolê” porque os jovens não apresentaram alvará. Me dizia indignado um jovem aluno que encontrei por lá: “professsor, alvará pra recitar poesia em praça pública, esses caras são loucos”.

Após discussão, alguns bate-bocas, e a retirada voluntária da vendedora ambulante, que é apoiadora do movimento e aproveita para gerar uma renda para sua família, o evento começou.

Nesse momento muitas pessoas já haviam ido embora, a maioria temerosa pela opressiva repreensão feita pela Guarda Municipal.

As 40 ou 50 pessoas que sobraram sentaram em círculo no gramado, e, enfim o espetáculo começou. E que espetáculo!

Autogestionado e muito organizado, 5 jurados voluntários foram escolhidos, as inscrições foram feitas, e as poesias fluíram. Jovens falando sobre diversidade sexual, intolerância religiosa, violência, álcool, drogas, descriminalização, liberdade, vontade e ação. Denunciando a violência policial, a vida difícil na periferia, a crueldade do mundo do trabalho e o capitalismo excludente e opressor. Destaque para as “minas” protagonistas do evento, denunciando o machismo, o assédio, a violência, o medo a tortura e a opressão.

Todo esse conteúdo sendo lançado ao ar, com muita rima, alegria e rebeldia.

Um dos participantes, em sua rima, citou Manoel de Barros, a fria estatua construída na avenida a poucos metros dali, e a incoerência de construirmos estátuas e reverenciarmos grandes poetas mortos e reprimir e repreender jovens poetas que só querem usar uma praça pública para recitar e celebrar suas poesias. Fui embora um pouco mais feliz, pois nesta noite a arte, a poesia e a rebeldia da juventude, haviam vencidos o preconceito, a repressão e a burocracia.

“Slam Campão – Foco na Missão!”

(*) Teylor Fuchs é sociólogo, professor e especialista em Educação em Direitos Humanos.

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