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Nossa planície pantaneira pode virar deserto

Por Laerte Tetila (*) | 04/09/2012 15:18

Infelizmente, é possível que, até os anos trinta deste século, a planície pantaneira esteja transformada num imenso areal. E já há previsões preocupantes nesse sentido. O problema está no desmatamento do arco dos planaltos circundantes, ou seja, no peripantanal. Essas áreas elevadas, desde os anos setenta do século passado, vêm perdendo a sua cobertura original.

Formações vegetais densas de florestas e cerrados vêm sendo devastadas pela agropecuária, sobretudo pela agricultura comercial em larga escala, como a da soja. E mesmo em municípios distantes, entrecortados por rios que descem para o Pantanal, como é o caso do município de São Gabriel do Oeste, o desmatamento desses planaltos vem impactando, indelevelmente, a planície pantaneira e, desgraçadamente, pelo pior dos males ambientais: o assoreamento.

A planície pantaneira, a despeito de concentrar a principal fonte de vida do Planeta, é formada por um conjunto de ecossistemas tropicais e, por isso mesmo, frágeis, sensíveis, e que, a partir da pressão ambiental advinda dos planaltos, podem até desaparecer.

Oportuno observar que, nas condições originais, parte substantiva das chuvas precipitadas sobre esses planaltos eram absorvidas e infiltradas no solo pelo manto vegetal ali presente, resultando, por sua vez, em imensas reservas hídricas nessas partes altas, cujas águas só eram liberadas lentamente, mediante miríades de nascentes de água limpa, algo da maior importância, sobretudo nos períodos de seca.

Assim era assegurada a hidrorregulação de toda a bacia pantaneitra, fato que perpetuava o vai-e-vem das águas, isto é, o regime hidrológico das cheias e vazantes de todo o Pantanal.

A bacia pantaneira precisa ser entendida como legítima importadora hídrica do arco de planaltos circundantes, donde nasce a quase totalidade dos rios que a abastece e que lhe garante a exuberância da vida presente. Ocorre que esses planaltos ainda continuam vitimados pelo desmatamento. A rigor, o assoreamento vem sendo apontado como um dos maiores problemas da ecologia mundial.

No Pantanal, como em toda parte, é o desmatamento quem subtrai a profundidade dos rios, lagos, lagoas, baías, corixos, impactando todas as formas de vida local e regional. No bioma pantaneiro, os estragos causados pelo assoreamento já são bastante visíveis. Já se percebe, por exemplo, o quanto o ritmo hidrológico, que condiciona o ritmo biológico, vem sendo quebrado.

E essa questão é muito séria, preocupante. Áreas que ficavam alagadas somente em períodos definidos (secas), agora ficam o ano todo sob as águas. É o caso da região do Taquari, cujo rio, perdendo o próprio leito, passou a inundar, permanentemente, "uma área em torno de 500 mil hectares"(cf. Embrapa/Pantanal).

E o pior: cerca de 30 fazendas já se acham inutilizadas e totalmente abandonadas face ao binômio assoreamento/alagamento. Oportuno lembrar que, no período das chuvas, o que descia para o Pantanal era a matéria orgânica produzida graciosamente pelo manto vegetal, que recobria os planaltos circundantes.

Descia rio abaixo o húmus e não a areia. Descia o húmus, esse fertilizante natural, fertilizante da melhor qualidade e que era levado pelas enchentes e depositado sobre os prados, beneficiando cerca de dois terços da grande planície. Era a garantia das belas pastagens naturais e da admirável variedade da vida pantaneira.

Agora, o Pantanal, esse santuário da ecologia mundial, está vulnerável. O fantasma do desmatamento continua rondando-lhe os planaltos circundantes. De toda a sua extensão, apenas 4,4 % encontram-se oficialmente protegidos.

Diante desse cenário, nós gostaríamos de saber o que acontecerá quando o manto vegetal que ainda resta nessas áreas em declive tiver desaparecido, ou quando toda a capa arenosa, dessas mesmas áreas, tiver sido transportada para o interior da bacia pantaneira.

Sabe-se, porém, que alguns proprietários vêm investindo, conscientemente, em novas tecnologias de conservação do solo, em melhorias no manejo de pastagens, no plantio direto, dentre outras ações de bases sustentáveis.

A União, por meio da Agência Nacional de Águas, vem liberando 5 milhões de reais, desde 2007, para a recuperação de microbacias e implantação de viveiros de mudas para o plantio no entorno dos mananciais oriundos dos planaltos.

Há ainda cerca de 15 instituições estudando e buscando melhorar a hidrodinâmica regional. São sinais de esperança, face à dimensão já tomada pelo assoreamento da bacia pantaneira.

(*) Laerte Tetila é mestre em geografia física pela USP e deputado estadual (PT/MS).

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