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O acórdão no STF impede o trabalho após a Aposentadoria Especial?

Priscila Arraes Reino (*) | 20/08/2020 13:51

Temos um compromisso de escrever de forma clara sobre Direito Previdenciário e por essa razão vou começar te explicando o próprio título.

Acórdão é uma decisão tomada por vários juízes. Pode ser no Tribunal de Justiça do Estado, pode ser numa turma recursal de juizado, e pode ser, como foi neste caso, em um tribunal superior como no Supremo Tribunal Federal.

Normalmente as decisões proferidas por colegiados de juízes já são mais importantes que a de juízes singulares, pois representam o pensamento não só de um juiz, mas de um grupo de juízes, desembargadores ou ministros, que chamamos de colegiado. No caso de julgamento por TEMAS, como é o caso deste que tratamos hoje, é ainda mais importante, pois ele representa o pensamento e a interpretação de ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto e obriga todos os juízes, desembargadores e ministros do país, a decidirem conforme a tese firmada.

A tese do TEMA 709 que foi firmada no julgamento cujo Acórdão foi publicado em 19.08.2020, portanto ontem, foi:

“I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. 

 

II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão" (tese firmada no TEMA 709)

Durante muitos anos, desde pelo menos 1998, se discute se aquele que se aposenta especial (B46) poderia ou não poderia se manter trabalhando em atividade considerada nociva à saúde.

Isso porque a aposentadoria especial era concedida, até o ano passado em 13.11.2019 quando entrou em vigor a Emenda Constitucional 103/2019, com 25, 20 ou 15 de atividade exercida com exposição a agente nocivo à saúde, e sem a exigência de idade mínima. O cálculo da aposentadoria especial, até a EC 103/2019, era de 100% da média aritmética simples das 80% maiores remunerações, de julho de 1994 até a data do requerimento.

Visivelmente mais benéfica que as demais, a aposentadoria especial exigia menos tempo de exercício na atividade, quanto maior fosse a nocividade à saúde, e permitia, por esta razão, que pessoas muito jovens pudessem ter acesso à aposentadoria sem incidência de coeficiente ou fator previdenciário a reduzir a renda mensal inicial da aposentadoria.[1]

Há e sempre houve um motivo nobre para o tratamento diferenciado daquele que exerce atividade especial que é a proteção da saúde daquele trabalhador que expõe a sua saúde a nocividade da atividade em prol da sociedade em que vive. É o caso de médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, dentistas, operadores de raio x, farmacêuticos entre outros tantos trabalhadores.

O cerne da questão, portanto, seria: se o trabalhador com atividade nociva à saúde, pode se aposentar antes e com uma aposentadoria melhor justamente por conta da nocividade de sua atividade à saúde, porque permitir que este aposentado se mantenha trabalhando e expondo sua saúde à mesma nocividade?

Mas advogado e brasileiro, e mais ainda advogado brasileiro, é um ser extremamente perseverante. Há muitos argumentos a favor do direito a se manter no trabalho mesmo após a aposentadoria especial concedida, e vamos a somente quatro deles:

●     A Constituição Federal de 1988 prevê a liberdade de ofício e profissão (art. 5º, inciso III da CF);

●     Não há, no dispositivo constitucional que trata da aposentadoria especial, a previsão de qualquer restrição à atividade;

●     Em regra, os profissionais estão mais preparados e mais qualificados após o exercício de tantos anos na sua profissão, de maneira que obrigar que deixem a atividade para a qual se prepararam, é uma perda, não só para o aposentado, como para a sociedade em geral;

●     A preocupação do legislador infraconstitucional que proibiu a manutenção de atividade nociva à saúde após a implantação da aposentadoria especial não é uma proteção à saúde, e, sim, uma preocupação financeira, somente, já que o trabalhador, querendo, pode não pedir a aposentadoria especial e permanecer na mesma atividade nociva por quantos anos suportar trabalhar.

Talvez você esteja pensando que não há mais motivos para discutir essas questões, tendo em vista que o STF já julgou e estaria superada toda e qualquer questão relacionada ao caso.

Não é bem assim. Advogados que conhecem o direito a fundo têm muitos argumentos, e as discussões não chegaram ao fim ainda, até porque, ainda cabe recurso e ele está sendo preparado!

A contar de hoje, tendo em vista que a publicação do acórdão foi ontem, o prazo para o primeiro recurso é de 5 dias, e nesse prazo serão solicitados vários esclarecimentos sobre o acórdão que podem resultar, inclusive, em mudança do teor principal da decisão.

O jogo não acabou, é preciso que a gente jogue até o final!

Mas vamos antecipar respostas para algumas dúvidas que sempre nos encaminham, lembrando sempre que se você possui advogado contratado, é com ele que precisa conversar sobre o seu caso. Estamos respondendo em tese, tendo em vista que para avaliar o caso em concreto é preciso ver a documentação, então vamos lá:

  • 1)    Sem o trânsito em julgado o INSS pode tirar minha aposentadoria especial se descobrir que eu estou trabalhando?
  • 2)    Meu processo de aposentadoria especial terminou, já recebo a aposentadoria faz muitos anos e o juiz/tribunal me autorizou a continuar trabalhando, corro risco?
  • 3)    Sou servidor público, consegui aposentadoria especial mas continuo trabalhando (na iniciativa privada ou no serviço público), corro algum risco de ser obrigado a parar de trabalhar?
  • 4)    As aposentadorias especiais serão canceladas ou suspensas?
  • 5)    Tive tempo especial convertido em comum, mas a minha aposentadoria é B42 e não B46, posso ser prejudicado?
  • 6)    Vou precisar devolver os valores recebidos de aposentadoria especial se o INSS descobrir que eu continuei trabalhando em atividade nociva?

 Sem o trânsito em julgado o INSS pode tirar minha aposentadoria especial se descobrir que eu estou trabalhando?

 O INSS já está enviando para alguns aposentados que recebem B46 (aposentadoria especial), e que comprovadamente permaneceram em atividades nocivas a saúde, notificações para que se defendam.

Mas não é hora de pânico, é hora de consultar o seu advogado especializado em Direito Previdenciário, para que ele te oriente, pois há muitas saídas e muitas defesas diferentes, grandes possibilidades de solução do seu problema sem perder, nem a aposentadoria e nem o seu trabalho.

Mas para isso, recomendo que você vá, até antes de o INSS te procurar, consultar o seu advogado. Não espere. Não faça nada sem consultar o seu advogado de confiança pois as coisas podem ficar piores se você tomar atitudes impensadas, erradas, sem o auxílio do profissional correto.

Meu processo de aposentadoria especial terminou, já recebo a aposentadoria faz muitos anos e o juiz/tribunal me autorizou a continuar trabalhando, corro risco?

A boa notícia é que você pode continuar com a sua vida de trabalho e continuar recebendo a sua aposentadoria especial.

É que o INSS precisará entrar com um processo para rescindir a decisão que te autorizou a continuar trabalhando mesmo após a aposentadoria especial. Isso, além de não ser automático, demanda trabalho, demanda tempo, e o INSS e a procuradoria não tem pessoal suficiente para o trabalho que vai precisar ser realizado.

Mas uma hora a notificação judicial pode parar na sua porta e você não vai querer ser surpreendido de calças curtas.

Mais uma vez a sugestão é: marque horário com o seu advogado e tome as providências necessárias para que ao chegar a notificação em sua casa, você possa se defender.

Muitas vezes serão necessárias providências como: pedir um PPP na empresa onde trabalha, documento que virá demonstrando que você não está mais sujeito às atividades nocivas, por exemplo.

Cada caso é um caso, e você não pode tomar remédio prescrito para o seu vizinho ou tomar medicamento sem prescrição!

Sou servidor público, consegui aposentadoria especial mas continuo trabalhando (na iniciativa privada ou no serviço público), corro algum risco de ser obrigado a parar de trabalhar?

A decisão publicada ontem se trata de um caso de trabalhador da iniciativa privada que exerce atividade nociva após a aposentadoria especial ter sido concedida. As atividades que ela exerceu antes e as atividades que ela vem exercendo após a aposentadoria são realizadas na iniciativa privada, e são com recolhimento de contribuição previdenciária ao INSS.

Dessa maneira, entendemos que os servidores públicos não serão atingidos pela decisão do TEMA 709 imediatamente, pois não foram sequer citados no acórdão.

Mas é preciso, ainda assim, tomar cuidado e procurar orientação jurídica já que como disse o Dr. Fernando Gonçalves Dias (advogado do autor do processo no Tema 709), não temos duas Constituições Federais, uma para servidores públicos e outra para trabalhadores da iniciativa privada.

Uma hora essa decisão vai chegar aos servidores públicos, e a rapidez ou a demora que isso vai levar, depende dos caminhos trilhados daqui para frente.

As aposentadorias especiais serão canceladas ou suspensas?

Os efeitos na vida dos aposentados são bem diferentes. A lei fala em cancelamento, mas o relator do TEMA 719 falou por 5 vezes durante o seu voto em suspensão. Seria somente uma questão de semântica?

Veja quais as diferenças entre um termo e outro:

Cancelamento, o ato que concede a aposentadoria especial é totalmente desconstituído, de maneira que a aposentadoria especial deixa de existir e outra aposentadoria pode ser pedida, inclusive uma aposentadoria comum, convertendo-se o tempo especial de atividade exercido até 13.11.2019 em tempo comum.

Suspensão, o ato de conceder a aposentadoria não é desconstituído, não deixa de existir, somente os pagamentos da aposentadoria especial seriam suspensos até que a atividade deixasse de ser atividade nociva à saúde ou que o trabalhador deixasse de exercer qualquer atividade.

Vou te contar que ambos os casos, cancelamento e suspensão, são possíveis de serem defendidos. Em alguns casos será melhor o cancelamento, em outros a suspensão.

Tive tempo especial convertido em comum, mas a minha aposentadoria é B42 e não B46, posso ser prejudicado?

Não. se a sua aposentadoria não é do tipo B46 pode dormir tranquilo. Não se preocupe que esse Tema 709 não te alcançará!

Vou precisar devolver os valores recebidos de aposentadoria especial se o INSS descobrir que eu continuei trabalhando em atividade nociva?

Essa pergunta nos leva a um outro tema que ainda está sendo discutido. O TEMA 692 do STJ que trata justamente da necessidade ou não de devolução dos valores recebidos de boa-fé em razão de decisões provisórias, quando ao final a decisão é cassada.

Aliás, além do TEMA 692 que trata desse assunto, ainda há o próprio recurso cabível no tema 709 que já falamos anteriormente, pode mudar o rumo dessa prosa toda que estamos tendo aqui.

De qualquer maneira, para que você não termine a leitura deste artigo mais preocupado que antes, nossa aposta é a de que não será necessário devolver os valores recebidos, já que o próprio STF tem várias decisões nesse sentido.

Um abraço, e até a próxima!

Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

(*) Priscila Arraes Reino, advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, vice presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante. Visite nosso site: www.arraesecenteno.com.br

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