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O crack, o estalo que indica a explosão

Por Fábio Trad (*) | 05/04/2011 06:27

Escolhido pelo PMDB para trabalhar na comissão especial do crack, julgo oportuno dividir com os leitores algumas reflexões sobre o tema.

Droga ilícita é aquela que o legislador federal decide politicamente que assim seja. Descabe aqui dizer como e sob quais influências se dá esta decisão, motivo para outro artigo. O fato é que o crack é uma droga ilícita, substância psicoativa, variante da cocaína, facilmente produzida porque seus insumos químicos são baratos e de fácil acesso e transporte, com menor risco de transmissão do HIV em relação à cocaína injetável e de efeitos instantâneos com enorme potencial viciante.

Uma nota preocupante: além das peculiaridades que dela fazem uma droga marcadamente popular, o seu consumo vem aumentando exponencialmente no contexto de uma sociedade – como a nossa - que idolatra o consumo como prioridade existencial. São numerosas hordas de corredores desesperados pela satisfação infrene de desejos superficiais que, no fundo, encobrem carências, frustrações, angústias e vazios que dizem respeito a sua própria identidade no mundo cada vez mais produtor de melancolia e sofrimento.

A busca de razões ou motivos que levam as pessoas a plastificarem a realidade transformando-a em títere de sua deformada vontade para suportarem a pressão da existência nos remete a Freud quando afirmou que para evitar o sofrimento: “o método mais grosseiro, embora também o mais eficaz, de influência é o químico: a intoxicação. (...) com o auxílio desse “amortecedor de preocupações”, é possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade.” (citado por Antonieta G. Bizzoto, em A luta do crackeiro embaraçado entre a fissura e a intoxicação, no livro Crack – Um desafio social, de Luiz Flávio Sapori e Regina Medeiros, editora Pucminas, pág.125).

Se é verdade que a nossa complexa máquina neural, eletroquímica e biológica nos programe para a busca daquilo que nos dá satisfação (se o orgasmo causasse dor, a espécie humana já teria sido extinta), confundir felicidade com prazer é o mesmo que procurar alimentar a alma com feijoada. Há prazer na felicidade, mas felicidade jamais será encontrada vivendo-se apenas em busca do prazer.

Por que o ser humano se droga não é a pergunta adequada, uma vez que a arqueologia nos dá provas de que a relação entre humanos e substâncias (vegetais e fungos) com propriedades psicotrópicas é ancestral e tem fundamento místico e ritualístico. A pergunta que emerge como fundamental é outra: o que leva o ser humano a trocar a felicidade permanente pelo prazer efêmero, mesmo ciente de que o prazer o levará a uma vida infeliz.

Neste ritmo reflexivo, a questão que nos impele para o âmago deste problema pode aclarar uma outra possibilidade discursiva que tem a ver com o tipo de política pública adotada no país em relação às drogas.

A concentração de esforços no combate repressivo não nos parece estratégia prudente porque o modelo de política proibicionista de caráter penal está completamente exaurido. Para cada tonelada de droga apreendida, milhares de outras foram e estão sendo comercializadas.

Ora, se o problema das drogas é um fato social, evidente que também é histórico, por isso que não se pode isolá-lo como produto laboratorial de exclusivo domínio de um saber imperial e autossuficiente. É preciso arrastá-lo para o centro do conhecimento multidisciplinar e da atuação intersetorial a fim de que o olhar da responsabilidade compartilhada incida luzes do ponto de vista cultural, filosófico, político, jurídico, sociológico, antropológico, psicológico, psiquiátrico, da saúde pública, da assistência social, dos direitos humanos, da segurança pública, da geografia urbana, da clínica de recuperação e tratamento e tantos outros quantos possam contribuir para a dissecação deste problema multifacetado.

Reunir todos estes saberes na tentativa de condensar uma pauta proativa que contemple uma estratégia nacional de prevenção e repressão, perpassando o tratamento e a recuperação é fator indispensável para que, politicamente, a sociedade mobilizada possa atuar na principal e decisiva questão: a disposição dos governos federal, estadual e municipal de reservar e liberar os recursos financeiros que condicionem a sustentação dos programas, projetos e planos estratégicos de atuação em todo o país.

Caso contrário, os crescentes estalos do crack espocarão em nossos ouvidos não mais como alerta ou advertência, mas como o ribombar dos sinos que recordam as mais pungentes tragédias sociais:

“... ela fumou na mesa da minha cozinha. Eu experimentei e eu me lembro como hoje esse dia. Eu tinha 185 reais, era dinheiro de compromisso. Eu peguei esse dinheiro e comprei ele todinho de crack e a gente usou até tarde. Aí, no outro dia eu já levantei sem mim, eu levantei pro crack. Eu pensava nele, eu queria ele, eu fui comprar mais e fiquei assim dois anos. Todos os dias eu usava. Não tente nem conhecer o crack. Se ver, nem tente, nem chegue perto, porque ele é igual a uma pedra valiosa, ele te conquista, ele vira sua esposa, seu marido, seu filho, seu vizinho, seu amigo, seu amante, ele vira tudo na sua vida. Ele te tira tudo, tudo, tudo o que você imaginar, ele te tira. Ele é, usando as palavras de antigamente, ele é o bicho-papão.”

(*) Fábio Trad é deputado federal (PMDB-MS)

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