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PEC 65/2012- Mais uma aberração jurídica

Por Sheila de Giacometti (*) | 02/06/2016 16:05

Na data de 27 de abril de 2016 a CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado emitiu parecer favorável à Proposta de Emenda à Constituição n. 65/2012, apresentada pelo senador Acir Gurgacz (PDT/RO) e relator o senador Blairo Maggi (PMDB/MT). A referida proposta de emenda constitucional acrescenta o § 7º ao artigo 225 da Constituição Federal (que garante a todos um direito ecologicamente equilibrado) com o objetivo de, segundo a sua ementa, “assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental”.

Vejamos a inclusão da PEC ao artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1998:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§7º “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente".

Os efeitos nocivos desse novo parágrafo são os de autorizar imediatamente qualquer atividade sobre o meio ambiente pela simples apresentação de um estudo prévio de impacto ambiental (EIA), independentemente de o estudo ser correto e de ter sido analisado e deferido pelos órgãos competentes; e de proibir que órgãos ambientais e até o Poder Judiciário impeçam o prosseguimento da atividade empreendedora, mesmo que o estudo prévio tenha graves falhas e possa causar danos ambientais irreversíveis.

Em defesa da PEC 65/2012, o senador Acir Gurgacz salientou que o objetivo da proposta, “erroneamente interpretada por ONGs ambientalistas e pelo Ministério Público, não é acabar com a necessidade de licenciamento ambiental, mas apenas impedir que se interrompam as obras que já tenham a licença ambiental concedida”.

Impende destacar alguns trechos ipsis litteris do relatório da PEC 65/2012:

Justificativa: “Por isso, a proposta que ora apresentamos assegura que uma obra uma vez iniciada, após a concessão da licença ambiental e demais exigências legais, não poderá ser suspensa ou cancelada senão em face de fatos novos, supervenientes à situação que existia quando elaborados e publicados os estudos a que se refere a Carta Magna.”

Parecer do Relator:

a) “Vem à análise desta Comissão a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65, de 2012, cujo primeiro signatário é o Senador ACIR GURGACZ, que acrescenta o § 7º ao art. 225 da Constituição, para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental".

b) “A proposta tem por objetivo garantir a celeridade e a economia de recursos em obras públicas sujeitas ao licenciamento ambiental, ao impossibilitar a suspensão ou cancelamento de sua execução após a concessão da licença, senão em face de fatos novos, supervenientes à situação".

c) “Efetivamente, trata-se de proposta que visa garantir segurança jurídica à execução das obras públicas, quando sujeitas ao licenciamento ambiental".

Note-se que enquanto a justificativa menciona “após a concessão da licença ambiental”, o texto da proposta inserido na Constituição Federal fala em “estudo prévio de impacto ambiental”.

Cabe destacar que licença ambiental e estudo de impacto ambiental são dois institutos bem distintos. Licença ambiental é um ato administrativo em que o órgão ambiental autoriza uma obra, seja ela pública ou privada, além de ser um instrumento democrático de suma importância para o parecer das propostas de obras e /ou atividades de grande impacto, permitindo a participação da sociedade por meio de audiências públicas e fóruns, representando principalmente as comunidades que possam vir a sofrer qualquer prejuízo com um determinado empreendimento. Já o estudo de impacto ambiental é apresentado antes da emissão da licença prévia, o qual o empreendedor apresenta para comprovar se sua obra tem viabilidade ambiental.

Note-se, ainda, que o texto da PEC não faz distinção entre obras públicas ou privadas, fazendo crer erroneamente, que a alteração jurídica seria aplicável somente as obras públicas, o que não corresponde á verdade, permitindo assim, a adoção de procedimento a qualquer obra que venha a causar significativo impacto ambiental.

Ademais, outro ponto o qual demonstra que o processo legislativo da PEC 65 se mostra eivado de má-fé, é que o artigo 225 da CF, que dispõe sobre as questões ambientais constitucionais segue para votação pelo plenário do Senado, sem sequer passar pela Comissão de Meio Ambiente.

É inadmissível que uma proposta de emenda constitucional venha causar um retrocesso no artigo 225 da Constituição Federal e desconstrua o princípio da prevenção, atingindo de forma direta diversas regras constitucionais, como o princípio da precaução (adotado em diversos países e objeto da ECO/92), um dos mais importantes do direito ambiental e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É de suma importância que se perceba a não aceitabilidade de um retrocesso nos níveis de proteção já alcançados. A PEC autoriza empreendimentos que possam criar poluição e outras formas de dano ambiental, sem análise dos órgãos públicos nem possibilidade de medida preventiva, exterminando o sistema brasileiro de proteção ambiental. O licenciamento ambiental é um importante instrumento para a concretização da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6938/81), e se essa PEC for aprovada vai representar um significativo retrocesso na legislação ambiental.

A proibição de retrocesso subordina o legislador infraconstitucional ao comando constitucional, em respeito ao princípio da Supremacia da Constituição, constituindo-se um princípio constitucional implícito, tendo como fundamento o princípio do Estado democrático e social de direito, o princípio da Dignidade da pessoa humana, o princípio da Máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, o princípio da Segurança jurídica e o princípio da Proteção de confiança as garantias expressamente previstas (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada).

Ainda, como se não bastasse, a aprovação da PEC 65/2012 impede o controle dos impactos ambientais pelo Ministério Público e neutraliza os efeitos suspensivos e anulatórios das decisões judiciais referente aos atos do processo de licenciamento ambiental; impõe ainda, ao poder público, aceitar qualquer estudo prévio que lhe seja apresentado por maior que seja o dano ambiental iminente e proíbe os órgãos ambientais de exercerem o poder de polícia.

Dessa forma, a PEC agride nitidamente a divisão dos poderes e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual não se pode proibir um interessado de pedir medida judicial contra lesão ou ameaça de lesão a direito (artigo 5.º, inciso XXXV, CF).

Não restam dúvidas, que a referida Proposta de Emenda Constitucional de n. 65/2012, viola a Dignidade humana, ao núcleo essencial de Direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente sadio e equilibrado, a Supremacia da Constituição, a Divisão dos poderes, o Poder de polícia e o Retrocesso jurídico, dando gritante embasamento a sua inconstitucionalidade.

(*) Sheila de Giacometti é pós-graduada em direito civil e processual civil na PUC/RS e atualmente integra a Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS

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