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Pensando alto sobre violência, crime e castigo

Por Ronilson de Souza Luiz (*) | 21/09/2013 15:28

O título deste artigo é parte do livro “Justiça”, que veio a lume ainda no inverno de 2011, quando fomos brindados com esta especial obra, do já consagrado antropólogo Luiz Eduardo Soares. 

Já na abertura, o autor nos narra a dificílima tarefa que se auto impõe ao redigir para um público mais amplo e não especializado. A sensibilidade narrativa de quem conhece o assunto é registrada de forma simples e profunda já na primeira parte. Todo sofrimento merece respeito.

A cada subdivisão do livro temos pitadas filosóficas e sociológicas que nos acompanharão por muitos dias após a primeira leitura. Dois pontos no texto são incontornáveis, impossível não transcrevê-los na íntegra ainda assim sei que haverá perdas para quem lê:

“Graças à linguagem, aos conceitos e aos valores dos direitos humanos, tornou-se impensável a escravidão, repugnante o racismo, a absurda intolerância religiosa, repulsiva a homofobia, vergonhosa a tortura, insuportáveis a misoginia e a dominação machista, injustificável a desigualdade de oportunidades, inaceitável o imperialismo. Devemos a cultura dos direitos humanos a ideia de que a violência é um mal.”

“Por isso, devemos ter cautela e evitar as armadilhas da estigmatização, do preconceito, dos rótulos, das acusações que transfiram para o sujeito – ou sua natureza – os atributos de seus atos. Essa é a razão pela qual eu jamais diria que estudo “os criminosos”, “os violentos”. Pesquiso, sim, práticas criminosas e violentas, suas condições e seus efeitos, e os modos pelos quais lidamos com elas, como seres humanos e como sociedade”.

A tese central do autor é que “nossa interpretação sobre o sentido de um fato ou de uma situação varia dependendo do ponto a partir do qual contamos a história”. Perdoar para libertar vítima e algoz dos laços traumáticos com a violência. Restaurar a justiça, levando o algoz a reparar o mal feito a vítima.

Corresponsabilizar, isto é, dividir responsabilidades, assumindo também as nossas, para construir o futuro, coletivamente, sem negar o passado. O padre colombiano Leonel Narvaez pronunciou uma provocação inspiradora:
“Contra a irracionalidade da violência, a irracionalidade do perdão”. Finalmente, as drogas provocam uma quase guerra urbana, porque sua demanda e oferta são tratadas com questão de polícia e justiça criminal, porque a lei criminaliza seu
uso e comércio, em nome de uma suposta vontade de defender a saúde da população. Mas os legisladores que aprovaram essa lei não explicaram porque não proibiram bebidas alcoólicas, já que seu impacto na saúde da população é muito maior. Estima-se que haja mais de 15 milhões de alcoólatras no país.

Veja outro ponto prodigioso trazido pelo autor, que também é professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro “Quem perdoa dá o perdão e recebe o dom que liberta, no sentido preciso de que rompe o engate com a narrativa que traumatizava e que reproduzia a vitimização. Quem é perdoado recebe a dádiva, mas só a realiza se concordar (e esse verbo é, aqui, apenas aproximativo) em doar para si mesmo a nova possibilidade de engajar-se em narrativas diferentes e libertadoras sobre si mesmos.”

Perdoar é unilateral, e é aí que estão sua beleza e sua radicalidade. Aquilo que filósofos e teólogos denominam gratuidade. Arremata o autor: Proponho que o debate sobre justiça (crime e punição), especialmente sobre a Justiça criminal retributiva (a que se pratica, no Brasil) seja substituído pelo debate sobre perdão e corresponsabilização.

Retomo o texto pela relevância que ganha a cada novo desafio apresentado a sociedade brasileira, na qual debatemos “a mínima equidade exigível e a máxima desigualdade aceitável”.

Por fim, não tratar da capa do livro seria quase um crime, temos a exposição de cabeça, tronco e membros vistos pela retaguarda, sabemos tratar-se de alguém do sexo masculino, sentado em uma cadeira e possivelmente recém-ingressante na adolescência, a partir daí as análises e interpretações ficam ao olhar de cada leitor.

Simples assim!

(*) Ronilson de Souza Luiz, capitão da Polícia Militar, bacharel e licenciado em letras pela USP, mestre e doutor em educação pela PUC/SP – profronilson@gmail.com

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