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Repercussões da morte de Osama Bin Laden

Por Carlos Eduardo Vidigal (*) | 05/05/2011 06:04

O povo americano não escolheu essa luta. Ela chegou ao nosso território e começou com o assassinato sem sentido dos nossos cidadãos. Depois de quase dez anos de serviço, batalha, sacrifício, nós sabemos os custos da guerra. Esses esforços pesam sobre mim toda vez que eu, como comandante-em-chefe, tenho que assinar uma carta para uma família que perdeu um ente querido, ou olhar nos olhos de um membro do serviço gravemente ferido.

Pronunciamento de Barack Obama, 1º/5/2011.

Às 22h30 da noite do domingo, 1º de maio – 0h30 do dia 2, em Brasília –, o presidente Barack Obama proferiu o discurso histórico em que anunciava a morte do líder da Al Qaeda, principal responsável pela morte de milhares de inocentes, vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Após apelo ao sentimento de pesar que se abateu sobre os americanos naquele ano, narrou o processo de ações de contrainteligência que permitiram a localização do terrorista, enaltecendo sua decisão de autorizar a operação para prender Bin Laden e trazê-lo à justiça. Na sequência, elogiou a pequena equipe que realizou a operação, o fato de nenhum americano ter sido ferido, assim como nenhum civil, e a morte de Bin Laden após um tiroteio.

A primeira leitura que se faz do pronunciamento do presidente norte-americano reforça a ideia da eficiência dos serviços de inteligência daquele país e de seu senso de justiça, pois a primeira intenção era a captura do líder da Al Qaeda ainda vivo e, não sendo possível realizá-lo, a justiça se encontra em uma resposta a um crime de proporções muitíssimo maiores. Como se lê no fragmento acima, “o povo americano não escolheu essa luta. Ela chegou ao nosso território e começou com o assassinato sem sentido dos nossos cidadãos”. A consequência foi a enorme satisfação com a qual as populações de Washington e Nova Iorque se manifestaram desde o anúncio presidencial.

Analistas internacionais, no entanto, aproveitaram para, ao lado do reconhecimento da legitimidade dessas manifestações, lembrar a possibilidade de uma reação por parte da Al Qaeda, ou mesmo de outros grupos fundamentalistas, o que geraria uma sensação ambígua de paz e de apreensão. Mesmo o presidente norte-americano fez questão de ressaltar que a luta contra o terrorismo não acaba aqui e que nos próximos anos prosseguirão as atividades para limitar ou evitar ações terroristas. Tais ações, provavelmente, não repetirão o 11 de setembro em sua dimensão e impacto, mas poderão ser ações pontuais, de menor monta e mais ou menos dispersas no tempo e no espaço.

Outro aspecto em relação ao qual as análises convergiram foi quanto ao efeito positivo da morte de Bin Laden – e a forma como ela ocorreu – sobre a campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos. Sem dúvida alguma Obama foi beneficiado com a morte do homem mais procurado pelos serviços de inteligência do país e ganha fôlego para enfrentar um processo eleitoral já marcado por desgastes. Nesse movimento, Obama revela não apenas a importância da política interna para as ações internacionais de seu país, como reafirma uma tradição herdada de sua independência: a causa da segurança nacional, a prosperidade do povo norte-americano e o compromisso de defender seus valores no exterior. Daí seu grand finale: “vamos nos lembrar de que podemos fazer essas coisas não apenas por riqueza ou poder, mas porque nós somos quem somos: uma nação, sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”.

É esse sentido de potência que aqui se quer destacar. É recorrente na história dos Estados Unidos o uso simultâneo das imagens de potência, como se vê na eficiência dos serviços de inteligência, e de vulnerabilidade, “o assassinato sem sentido dos nossos cidadãos”. São recorrentes igualmente os seus silêncios. Um desses silêncios se oculta na reificação do conceito de terrorismo e na transformação das causas dos atos terroristas em anátema. Por que não começarmos a discutir, de maneira mais consistente, os fatores que levam aos conflitos no Oriente Médio? Que motivações estão presentes na formação de grupos que fazem uso de ações terroristas? Por que se teme, no Ocidente, que Bin Laden se transforme em um mártir? Evitar essas questões reforça o sentido de potência. Tentar respondê-las pode abrir outros caminhos.

(*) Carlos Eduardo Vidigal é professor do Departamento de História, da Universidade de Brasília, na área de História da América. Doutor em Relações Internacionais pela UnB, possui graduação em História, especialização e mestrado em História pela mesma universidade.

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