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Velhos dilemas: entre vítimas, vilões e vínculos fragilizados

Por Otávio de Tolêdo Nóbrega (*) | 15/06/2025 08:20

No dia 15 de junho, o mundo volta seus olhos para um tema que não pode mais ser negligenciado: a violência contra a pessoa idosa. O tema costuma ser bastante noticiado e discutido nesta época, havendo inclusive materiais sido anteriormente publicados por mim nessa temática, não apenas nesse Portal como também por outros canais. Ao reconhecer e denunciar situações de maus-tratos físicos, psicológicos, financeiros e de abandono, a data nos convoca a refletir sobre como estamos cuidando — ou deixando de cuidar — daqueles que chegaram à velhice.

Contudo, é fundamental que o olhar sobre essas situações não seja simplista. Ao longo de minha atuação como pesquisador e professor na área do envelhecimento, tenho aprendido que muitas das histórias de abandono e negligência não surgem do nada, tampouco de filhos e familiares que, de repente, se tornam insensíveis. Muitas vezes, esses episódios são o desfecho amargo de relações familiares profundamente disfuncionais, marcadas por abusos e traumas que atravessaram gerações.

Como nos alerta a médica e escritora Ana Cláudia Quintana Arantes, “não é porque o idoso tem cabelo branco que significa que ele se tornou um santo”. Muitas famílias convivem com legados de violência emocional, física ou psicológica que foram sofridos na infância e que ressurgem, com força, quando o ciclo da vida impõe que os filhos agora cuidem de quem, um dia, os feriu.

A literatura científica reforça essa complexidade. A pesquisadora Maria Cecília Minayo, referência nacional no estudo da violência contra idosos, aponta que muitas situações de abandono estão associadas a vínculos familiares previamente fragilizados. Judith Herman, psicóloga internacionalmente reconhecida, destaca como dinâmicas abusivas podem gerar nos filhos sentimentos ambivalentes — culpa por se afastarem e incapacidade emocional de oferecer cuidado genuíno.

Entre os padrões familiares mais lesivos, o comportamento narcisista de alguns pais tem merecido atenção. Quando a vida familiar foi permeada por manipulações emocionais, humilhações e invalidação dos sentimentos dos filhos, torna-se um desafio imenso sustentar uma convivência respeitosa e afetuosa na velhice desses pais. Não se trata aqui de justificar a violência ou o abandono, mas de compreendê-los em sua gênese e de buscar respostas mais humanizadas.

Nesse contexto, a recente aprovação da Política Nacional de Cuidados abre uma oportunidade valiosa: estruturar redes de apoio para idosos e também para seus cuidadores, reconhecendo que o cuidado é um desafio que não deve ser imposto de modo cego e compulsório. Forçar convívios familiares onde reinam traumas não resolvidos apenas aprofunda o sofrimento de todos os envolvidos. Para um conteúdo mais completo sobre a questão e uma reflexão mais profunda, convido todos a acessarem a explicação.

O Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa é, portanto, um chamado à empatia, mas também à lucidez. Precisamos promover o respeito e a dignidade de quem envelhece — e, para isso, é necessário enfrentar, com coragem, as feridas abertas no tecido de muitas famílias. Proteger os idosos não significa romantizar a velhice nem apagar histórias de dor, mas construir novas formas de cuidado baseadas em direitos, em redes solidárias e em um olhar que reconheça a complexidade da condição humana.

(*) Otávio de Tolêdo Nóbrega, especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e conselheiro dos Direitos do Idoso do Distrito Federal (CDI/DF)

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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