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Cidades

Comentário em rede social “no calor de 2018” vira denúncia por crime de ódio

Resposta a postagem em defesa a Jair Bolsonaro foi levada pelo MP à Justiça; autor fala em ironia e disse ter sido ameaçado

Humberto Marques | 30/08/2019 17:49
Comentário foi retirado de contexto e virou "fake news", afirma empresário. (Imagem: Reprodução)
Comentário foi retirado de contexto e virou "fake news", afirma empresário. (Imagem: Reprodução)

O processo eleitoral de 2018, que escancarou divisões político-ideológicas no país e deu novo peso à internet e, principalmente, às redes sociais, culminou em denúncia por crime de ódio contra um empresário de Campo Grande. A acusação teve início a partir de denúncia anônima ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) a qual o denunciado, o empresário Rafael Brandão Scaquetti Tavares, afirma ter sido baseada em um comentário feito em tom de ironia e retirado de seu contexto.

Rafael, que pertence a grupos políticos de direita e afirma ser o único campo-grandense e enfrentar denúncia do gênero no Estado, negou tanto na instrução do inquérito como em nova postagem em seu perfil no Facebook nesta sexta-feira (30) ter agido com preconceito. Segundo ele, o texto que deu origem à acusação –“printado”, editado e distribuído por aplicativos de mensagens e redes sociais durante a campanha eleitoral do ano passado– pretendia ironizar o tratamento dado à oposição ao então presidenciável Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

Na postagem original, uma pessoa relatava conversa de seus avós com uma família próxima que disse testemunhar aos 10 anos de idade. Em certo momento do texto, um dos interlocutores dissera ter flagrado uma mulher roubando mandioca em sua plantação. Para se defender, o dono das terras teria se valido de um pedaço de caibro e acertado “com toda a força” a mulher –algo da qual o dono da roça se vangloriaria.

A postagem original, de 30 de setembro de 2018, trazia a revolta de seu autor com o fato acompanhada do “Eles não” –usado por grupos que fizeram oposição a Bolsonaro, sobretudo alinhados com candidatos de centro e esquerda. Nos autos, há resposta de Rafael ao texto.

“Não vejo a hora do Bolsonaro vencer as eleições e eu comprar meu pedaço de caibro para começar meus ataques. Ontem nas ruas de todo o país vi muitas famílias, mulheres e crianças destilando seus ódios pela rua, todos sedentos por um apenas um pedacinho de caibro para começar a limpeza ética que tanto sonhamos! Já montamos um grupo de WhatsApp e vamos perseguir os gays, os negros, os japoneses, os índios e não vai sobrar ninguém. Estou até pensando em deixar meu bigode igual (o) do Hitler. Seu candidato coroné não vai marcar dois dígitos nas urnas, vc (você) já pensou no seu textão do face para justificar seu apoio aos corruptos no segundo turno?”, destacou o texto, citado pelo promotor no inquérito.

O empresário foi ouvido em 12 de dezembro pela Polícia Civil, negando pertencer a grupos que façam perseguição a segmentos sociais e reiterando o caráter irônico de seu texto, motivado justamente pelo “Eles não”, referência ao candidato que apoiava.

Cinco dias depois, o autor do texto original também prestou depoimento e, afirmando conhecer Rafael por terceiros, reiterou acreditar que o comentário, do qual discordara, foi inserido “de maneira irônica”. Cândia, porém, manteve a acusação, que foi enviada em maio deste ano à Justiça e, em 2 de junho, foi acatada pelo juiz Olivar Coneglian, da 2ª Vara Criminal da Capital.

Confira postagem completa levada à Justiça. (Clique para ampliar)
Confira postagem completa levada à Justiça. (Clique para ampliar)

Ameaçado – O avanço do caso causou estranheza ao autor do comentário, segundo quem a ironia usada “fica evidente” por conta dos termos usados no texto. “E o que deixa mais evidente disso tudo é que tem oito meses do atual governo e não houve nenhuma perseguição ou ação que a própria esquerda dizia que os bolsonaristas e seus eleitores iam praticar. Não teve nada disso”, afirmou Rafael ao Campo Grande News, por telefone.

O empresário, que destacou ver no politicamente correto “uma forma de cerceamento à liberdade”, reconhece que o episódio serviu para se pensar duas vezes ao expressar sua opinião “para não ter brecha interpretativa”.

Segundo ele, o comentário acabou virando “munição” para adversários políticos. “Nós dois estávamos na conversa e entendemos se tratar de ironia. Mas alguém recortou o comentário e espalhou na internet”, disse. Tempo depois, imagem com o texto de Rafael, sem o post original, já circulava pelo país. “Foi jogado em grupos de esquerda. Fui ameaçado à época, xingado, falaram que iam me matar, buscaram fotos da minha filha”, afirmou.

“Quando se retira um comentário de um texto, as pessoas podem interpretar de ‘n’ formas, pegando um trecho de conversa e se tenta atribuir a uma narrativa. Quem ler o contexto todo vê a figura de linguagem. Recortada, a conversa vira uma fake news”, pontuou o empresário, pesando, ainda, o impacto da internet no processo eletivo de 2018 –quando a polarização política também resultou em trocas de acusações entre os grupos em disputa.

“A internet, muitas vezes, acaba atraindo o debate político, dando condições para pessoas participarem de um debate público. Isso acaba, de certa forma, contaminando todo o processo eleitoral. Mas acho que é uma maneira também de as pessoas participarem que antes não tinham. E isso incomoda a velha política, que conduzia uma imprensa mais amistosa”, avaliou, apontando que a “voz ativa da internet incomoda”.

A decisão de Coneglian envolveu a aceitação da acusação, que agora será processada pelo Poder Judiciário.

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