Da violência à doação, mulheres vítimas de agressões produzem máscaras
Atendidas por entidade que combate violência contra mulher, elas faziam o trabalho de graça, mas agora serão recompensadas
Da violência doméstica à doação, 27 mulheres com uma história sofrida de abusos físicos e psicológicos escolheram dar as costas aos traumas e ajudar quem precisa nesse momento de pandemia, e sem querer nada em troca.
Participantes da ONG (Organização Não-governamental) Aciesp (Associação de Capacitação de Economia Solidária do Povo), localizada no bairro Aero Rancho, as guerreiras atuam desde o mês passado confeccionando máscaras para doar aos profissionais de saúde de Campo Grande.
Presidente da entidade, Ceurecy Santiago Ramos, 46 anos, explica que o projeto nasceu de uma promessa a Deus, que se ela conseguisse se livrar da violência doméstica, então ela se dedicaria a ajudar os outros.
Nascida no Paraná, ela se casou e foi para a cidade de Santo Antônio do Sudoeste (RS), onde sofreu os primeiros maus tratos pelo então marido. Em 2009, eles se mudaram para Mato Grosso do Sul, onde a violência piorou e ela acabou sendo vítima de três tiros e quase morreu.
“Toda essa situação foi na frente dos meus filhos. Eu fiquei casada por 18 anos e tive três filhos e todos presenciaram esse crime”, contou.
Professora de formação, ela começou a trabalhar com costura aqui em MS e assim que conseguiu se recuperar da violência e se separar, procurou “força em Deus e nos filhos pra seguir em frente”, porque percebia que “nem todas as mulheres que passavam pelo que ela passava tinham a mesma sorte (de continuarem vivas)”, afirma.

Com isso, ela pedia a Deus que se saísse dessa situação de violência, se dedicaria à Ong e foi o que aconteceu. Em 2013 a Aciesp nasceu e desde então, já atendeu pelo menos 5 mil pessoas. Atualmente, atende 800 pessoas em 23 cursos profissionalizantes e esportes, além de manter atendimento psicológico para as mulheres vítimas de violência.
Recompensadas - Reconhecido, o trabalho da entidade foi procurado pela concessionária de energia de Mato Grosso do Sul, a Energisa, que vai pagar R$ 1,2 mil a cada uma das voluntárias da Ong pela confecção das máscaras, que serão distribuídas em asilos e aldeias indígenas. A expectativa é que se alcance a produção de 65 mil máscaras.
Para ela, a ajuda não era esperada, mas acredita ser uma retribuição ao empenho das assistidas, que não medem esforços em retribuir o que recebem na entidade.
“É como se fosse uma retribuição pelo esforço que estão tendo. Acredito que tudo é reciproco e assim como elas não hesitaram em ajudar, agora, elas recebem de volta o que estão doando”, ressalta.

Participante da entidade, Marciley Araújo dos Santos conta que se voluntariou a produzir as máscaras porque sempre recebeu todo apoio que precisava na Ong e queria retribuir. Sem contar sua história de vida, ela afirma que “a gente tem que fazer tudo pra ajudar ao próximo, tudo que estiver ao nosso alcance e termos a consciência que tudo que a gente faz, recebe de volta”, ensina.
Para Ceurecy, além de gratificante, o trabalho ajuda essas mulheres a retomarem a vida após a violência, com incentivo à busca de emprego com encaminhamento ao mercado de trabalho e ainda à autonomia financeira, com abertura do cadastro do MEI (Microempreendedor Individual).
Casada novamente, Ceurecy diz que o atual marido é um “presente de Deus” e parceiro na Ong. “Todo trabalho ajuda com que essas mulheres andem de cabeça erguida, enfrentem tudo e é o que reforça o slogan da nossa associação: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”.