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Cidades

Guajajara cita MS e defende autonomia indígena em audiência no STF

Ministra destacou a insegurança jurídica citando MS como exemplo de aumento da violência no campo

Por Jhefferson Gamarra | 04/10/2024 13:33
Reunião no STF que contou com ministros e lideranças indígenas (Foto: Divulgação)
Reunião no STF que contou com ministros e lideranças indígenas (Foto: Divulgação)

A quinta audiência de conciliação sobre as ações que discutem a constitucionalidade da lei do Marco Temporal (14.701/2023) para a demarcação de Terras Indígenas, realizada nesta semana pelo STF (Supremo Tribunal Federal), foi marcada pelo discurso firme da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Ela defendeu a autonomia dos povos indígenas e criticou a recente conversão da tese do Marco Temporal em lei pelo Congresso, citando estados como Mato Grosso do Sul como exemplos do aumento da violência armada no campo desde a aprovação da lei.

“Estamos vendo o acirramento dos conflitos no campo, principalmente depois da aprovação da lei. Bahia, Mato Grosso do Sul, Ceará, Pará, Mato Grosso, Paraná, dentre outros. Povos indígenas têm sofrido bastante com o crescimento da violência armada no campo e a situação de insegurança jurídica construída”, afirmou Guajajara. A ministra enfatizou que, embora a Constituição Federal de 1988 tenha estabelecido um prazo de cinco anos para a demarcação dos territórios indígenas, quase quatro décadas se passaram e essa obrigação ainda não foi plenamente cumprida.

A tese do Marco Temporal, já rechaçada pelo STF em 2023, argumenta que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse ou disputa em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A recente aprovação da Lei 14.701/2023 trouxe grande apreensão para as populações indígenas, que temem perder o direito sobre territórios historicamente ocupados. Sonia Guajajara classificou a aprovação da lei como um retrocesso, criando um ambiente de insegurança jurídica, sobretudo para as comunidades que vivem em áreas de disputa.

Além da ministra, o cacique Kayapó Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do Brasil, também participou da sessão e fez um apelo aos presentes, pedindo uma reflexão profunda sobre o impacto das políticas atuais no meio ambiente e na vida dos povos indígenas. Raoni destacou a urgência de mudar o tratamento dado aos povos originários e seus territórios.

“Convivemos com muita matança e enganação. Nós não queremos que a colonização do homem branco se repita no Brasil e não temos que seguir dessa forma. Somos humanos e precisamos viver nessa terra, estamos lutando para viver em paz com nossas culturas. Se continuarmos assim, não haverá legado para nossos netos”, disse Raoni, alertando para o risco de deixar um futuro devastado para as próximas gerações.

Durante a audiência, Guajajara propôs um esforço de entendimento e diálogo entre o Estado brasileiro e os povos indígenas, sem repetir os erros históricos que sacrificaram os direitos desses povos em nome de uma suposta pacificação. A ministra reafirmou que é preciso resgatar os valores constitucionais genuínos e garantir sua plena efetividade.

“O que estamos discutindo aqui é o futuro das relações do Estado brasileiro com os povos indígenas neste território nacional e se a sociedade brasileira está disposta e preparada para aderir aos mais altos valores que notabilizam a humanidade e para dar fim ao genocídio dos povos e ao esbulho da Terra Indígena. Este deve ser um momento de refundação do Estado brasileiro”, defendeu a ministra.

Sonia Guajajara também destacou os avanços realizados durante a atual gestão do governo federal, mencionando que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou dez novos territórios indígenas desde o início de seu mandato. Além disso, o Ministério da Justiça emitiu portarias declaratórias para quatro novas áreas, e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) vem trabalhando em novas demarcações, apesar das dificuldades impostas pela lei do Marco Temporal.

Ela lembrou que o governo federal criou, pela primeira vez, o Ministério dos Povos Indígenas, uma conquista histórica para fortalecer as políticas públicas voltadas às comunidades tradicionais. “Temos a responsabilidade de consolidar um conjunto de políticas já existentes, bem como pensar novas políticas indígenas que contribuam a este novo modelo de nação, mais comprometido com o enfrentamento às desigualdades sociais”, afirmou Guajajara, comprometendo-se a buscar soluções propositivas e resolutivas para garantir a proteção dos territórios e da vida indígena.

No contexto de Mato Grosso do Sul, Sonia Guajajara e o ministro do STF, Gilmar Mendes, ressaltaram a importância do diálogo para a resolução dos conflitos envolvendo a Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, como exemplo de que é possível avançar nas demarcações de forma pacífica. Na semana passada, um acordo histórico foi firmado para a devolução das terras dos guarani-kaiowá, resultado de esforços conciliatórios entre os poderes da República e as partes envolvidas.

“Recordo o recente acordo firmado perante esta Corte para a devolução das terras dos guarani-kaiowá. De maneira histórica, Poderes desta República e as partes interessadas, celebraram mais do que um acordo: ajustaram um pacto pelo fim das disputas que vinham ceifando tantas vidas indígenas e transformando terras fecundas em verdadeiros campos de batalha”, pontuou a ministra.

Já Gilmar Mendes, que foi o relator das ações de controle de constitucionalidade debatidas na audiência, destacou a importância de se buscar soluções de convivência pacífica. “Queremos melhoria no diálogo e convivência pacífica. Queremos avançar no que diz respeito aos direitos indígenas e das pessoas integrantes da população circundante”, declarou o ministro.

A audiência foi dedicada ao exame de três das cinco ações que discutem a constitucionalidade da lei do Marco Temporal, motivando a criação da Câmara de Conciliação pelo ministro Gilmar Mendes em agosto deste ano. As ações, debatidas à luz dos artigos 5º e 6º da lei, foram vetadas pelo presidente Lula, que argumentou a falta de clareza sobre os termos e etapas processuais para a participação dos entes envolvidos nas demarcações, inviabilizando a conclusão dos estudos necessários para a definição dos territórios.

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