Liminar contra uso de dados fiscais parou 23 inquéritos do MPF em MS
Levantamento do Ministério Público Federal aponta que, no país, são 700 apurações paralisadas por liminar

A decisão liminar expedida pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli de paralisar todas as investigações que envolvam dados fiscais e bancários repassados ao Ministério Público por órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial atingiu 23 inquéritos conduzidos em Mato Grosso do Sul pelo MPF (Ministério Público Federal). A informação partiu da assessoria do próprio órgão, e coloca o Estado como o nono do país em número de apurações travadas dentro da decisão.
No total, a manifestação de Toffoli, que se deu em pedido apresentado pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), atingiu 700 investigações do MPF em todo o Brasil. O parlamentar carioca havia solicitado a paralisação de investigação sobre movimentações financeiras entre ele e o seu ex-assessor da Assembleia do Rio, Flávio Queiroz, que envolveu, por exemplo, os 48 depósitos de R$ 2 mil feitos entre junho e julho de 2017.
O debate proposto pela defesa do senador envolve o chamado “Tema 990 de Repercussão Geral”, que trata justamente do compartilhamento automático dos dados bancários e fiscais da Receita com órgãos de investigação para instruir ações penais. O assunto já é discutido no STF.
O MPF realizou os estudos envolvendo apenas crimes federais –isto é, os dados não incluem informações dos Ministérios Públicos Estaduais. A decisão de Toffoli alcança todas as investigações abertas sem autorização judicial para compartilhamento de dados de órgãos como a UIF (Unidade de Inteligência Financeira, o atual Coaf, Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Banco Central ou Receita Federal –inquéritos cíveis e penais que tenham aval judicial não foram alcançados.
Prejuízo – A Câmara Criminal do MPF ressalta que o volume de inquéritos parados pode ser ainda maior, pois os procuradores ainda apontam quais foram impactados. A última atualização é de 24 de outubro. Dentre esses 700 inquéritos travados, a maioria envolve questões de Direito Penal: são 307 apurações por crimes contra a ordem tributária; 117 por lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 71 contra o Sistema Financeiro Nacional; e 27 por sonegação de contribuição previdenciária.
Outras 23 apurações travadas são de atos de improbidade administrativa, que incluem direito administrativo e público. Também foram paralisadas investigações que apuram contrabando e descaminho, corrupção ativa e passiva e peculato, entre outras, conforme o MPF.
O maior número de casos parados está concentrado em São Paulo: 178. Depois aparecem Espírito Santo (95), Santa Catarina (53), Bahia (52), Minas Gerais e Rio de Janeiro (47 cada), Paraná (45), Pernambuco (24) e Mato Grosso do Sul.
“O impacto da decisão é imenso. Afeta, de forma diversificada, milhares de investigações, desde aquelas relacionadas a tráfico de drogas até as que apuram corrupção e lavagem de dinheiro nos grandes casos em curso no país”, sintetizou a coordenadora da Câmara Criminal do MPF, a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen.
Segundo ela, um dos impactos da decisão ocorre com a ausência de dados financeiros, como o Relatório de Inteligência Financeira –que partia do Coaf e, junto com relatório da Receita, ajudava nas apurações sobre lavagem de dinheiro. “Sem eles, não há sequer elementos para pedir a quebra do sigilo bancário, matando a investigação na raiz”, ponderou, ao avaliar que a decisão de Toffoli “criou um cenário de tremenda insegurança jurídica no país”.
Ela destacou que apurações sobre organizações ligadas a facções criminosas, as quais dependem de “total acesso às informações bancárias”, também estão comprometidas. “Nesse ponto, a decisão fragilizou o combate ao crime organizado, favorecendo o fortalecimento dessas facções, uma vez que sem os dados financeiros não há elementos para o pedido judicial de quebra dos sigilos”.
Ela ainda atacou a burocratização da Justiça, que passa a receber mais pedidos de autorização para uso dos dados, e diretrizes da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) –que recomendam aos seus integrantes, como o Brasil, que dados de controle sejam proativamente compartilhados com o Ministério Público e outros órgãos de investigação. Ela cobrou urgência do STF no julgamento de recurso extraordinário sobre o tema, com aplicação de repercussão geral (o que permitiria a retomada das apurações).