MP recusa acordo por considerar "dano expressivo" em investigação de Terenos
Promotoria quer condenação por organização criminosa, fraudes em licitações, corrupção e lavagem
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) decidiu levar até o fim a ação penal que investiga um esquema de fraudes em licitações no município de Terenos, sem acordos. A acusação descartou ANPP (Acordo de Não Persecução Penal) e suspensão condicional do processo.
RESUMO
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O Ministério Público de Mato Grosso do Sul decidiu prosseguir com a ação penal que investiga fraudes em licitações em Terenos, rejeitando acordos e suspensão do processo. A investigação resultou em 16 prisões preventivas e 59 mandados de busca e apreensão, revelando um esquema que envolve manipulação de pregões e superfaturamento. O MP solicita a condenação do prefeito por organização criminosa, fraude em licitação, corrupção passiva e lavagem de capitais. Entre as provas coletadas, destacam-se um cheque de R$ 200 mil e mensagens em celulares apreendidos que indicam combinação prévia de preços. A acusação pede ainda indenização de R$ 10 milhões por dano moral coletivo.
Na avaliação dos promotores, a gravidade dos fatos e a falta de requisitos legais impedem qualquer solução negociada. Traduzindo: o Ministério Público pede que a Justiça receba a denúncia, cite os acusados, colha provas em audiência e julgue o mérito, sem benefícios aos envolvidos.
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O ANPP é previsto para crimes sem violência e com pena mínima inferior a quatro anos, mediante confissão formal e condições como a reparação do dano. A suspensão do processo exige critérios objetivos e subjetivos, como pena mínima compatível e circunstâncias favoráveis ao caso.
O MP sustenta que nenhuma dessas portas se abre aqui. A acusação enumera quatro pilares para endurecer a posição: dano expressivo ao erário, com prejuízos milionários; reiteração das fraudes; organização das fraudes, com manipulação de pregões e direcionamento; e superfaturamento.
Assim, o MP cobra resposta penal proporcional para coibir novas práticas e recuperar recursos públicos. Há ausência de requisitos legais, como confissão nos termos da lei e limites de pena compatíveis.
O pedido mais pesado mira o prefeito Henrique Budke. O MP requer que o chefe do executivo seja condenado pelos crimes de organização criminosa, fraude ao caráter competitivo da licitação, corrupção passiva e lavagem de capitais. O pacote inclui penas de reclusão e multa.
Além da pena criminal, a acusação pede a interdição para exercer cargo ou função pública e para dirigir determinadas pessoas jurídicas, por prazo equivalente ao dobro da pena de prisão que vier a ser aplicada.
Confisco de valores e bens ligados aos crimes, incluindo o que foi apreendido nas buscas e o que represente produto ou proveito de corrupção e lavagem.
Indenização mínima por dano moral coletivo de R$ 10 milhões, para reparar o abalo à coletividade e à confiança na administração pública.
O que as apreensões revelaram
Houve 16 prisões preventivas e 59 mandados de busca e apreensão autorizados pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). As buscas colheram elementos materiais e digitais. Entre os itens destacados está um cheque de R$ 200 mil, apontado pela acusação como indício de vantagem indevida e de vínculo financeiro entre investigados.
Outro eixo central são os celulares apreendidos. Após autorização judicial, mensagens, registros e arquivos passaram por perícia. Segundo o MP, esse material reforça a existência de um padrão de atuação: combinação prévia de preços, “coberturas” para simular concorrência e tentativas de mascarar a verdadeira dinâmica dos certames.
As conversas, gravadas entre 2022 e 2023, foram destacadas pelo Ministério Público como principais provas do funcionamento da organização criminosa.
09/09/2022 – Prefeito combina certame com empresário
Na primeira interceptação destacada, Budke fala com Eduardo Schoier, dono da Conect Sistemas Elétricos. O prefeito assegura que a licitação já estava definida.
Transcrição:
Henrique Budke: “Fica tranquilo, essa já tá na tua mão. Só ajeita a proposta como combinamos.”
Eduardo Schoier: “Pode deixar, prefeito. Vou arrumar tudo certinho. O senhor sabe que pode contar comigo.”
14/10/2022 – Cobrança de acerto após medição de obra
Um mês depois, o prefeito volta a falar com Schoier, dessa vez cobrando repasse depois de liberação de pagamento.
Transcrição:
Henrique Budke: “Saiu a medição, agora você tem que acertar aquele negócio.”
Eduardo Schoier: “Sim, prefeito, hoje mesmo faço o repasse.”
23/01/2023 – Conversa sobre divisão de contratos
Em diálogo interceptado, o empresário Arnaldo Godoy Cardoso Glagau, da Agpower Engenharia, conversa com outro membro do grupo sobre a partilha de obras.
Transcrição:
Arnaldo Glagau: “A escola fica comigo, a unidade de saúde vai pro Rinaldo. Tá tudo certo.” – Interlocutor: “Fechou, do jeito que o prefeito pediu.”
15/03/2023
Pedido de cobertura política Budke aparece em nova ligação, dessa vez pedindo a um aliado que “segure” vereadores da base para evitar questionamentos.
Transcrição:
Henrique Budke: “Fala com eles, diz que tá tudo dentro da lei, não tem risco nenhum.” – Aliado: “Pode deixar, vou acalmar os caras. Não pode vazar nada.”
27/07/2023 – Prefeito reclama de atraso em propina
Já em meados de 2023, Budke pressiona Rinaldo Cordoba de Oliveira, da Tecnika Construções, pelo atraso em um repasse.
Transcrição:
Henrique Budke: “Você tá atrasado comigo, esse acerto já era pra ter sido feito.”
Rinaldo Cordoba: “Prefeito, eu sei, mas ainda não caiu tudo na conta. Assim que cair eu levo aí.”
Há ainda provas documentais em procedimentos específicos. Um exemplo é a Dispensa 033/2024, cujo processo administrativo completo foi apreendido. De acordo com a denúncia, o caso repete o mesmo modus operandi de direcionamento, com vencedor previamente assegurado e cotações combinadas. O objeto do contrato era a instalação de reservatório no Assentamento Patagônia, por R$ 46.974,24.
Com esse conjunto, o MP pediu, desde o início, que valores e bens apreendidos sejam declarados perdidos em favor do Estado em caso de condenação. É a estratégia clássica para evitar que dinheiro público desviado permaneça no patrimônio dos envolvidos.
Sem acordo e sem suspensão, o caminho é o rito tradicional: análise do recebimento da denúncia, citação dos réus, defesa prévia, instrução com oitivas e novas perícias, alegações finais e sentença. Se houver condenação, além das penas criminais, podem vir medidas cíveis típicas de improbidade, como ressarcimento ao erário, multas e proibição de contratar com o poder público.