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Cidades

Associações que atendem pessoas com HIV padecem sem verba e teto

Mais da metade das associações que acolhem soropositivos não recebem recursos e não têm sede própria

Izabela Sanchez | 05/10/2018 12:35
A Casa São Francisco atende moradores de rua, muitos chegam contaminados com vírus hiv (Izabela Sanchez)
A Casa São Francisco atende moradores de rua, muitos chegam contaminados com vírus hiv (Izabela Sanchez)

Elas acolhem, orientam e oferecem conforto quando uma pessoa recebe uma notícia difícil: é soropositovo, portador de HIV, o vírus da Aids. São entidades sociais de Campo Grande, cujo número chega, ao menos, a 10. Mais da metade delas, no entanto, sofre com a falta de recursos e nem sede própria têm.

É o que relata o presidente da Rede + (Rede Positiva) e da Fundação Casa, Almir Machado Guimarães. A Fundação Casa existe há 12 anos, mas não tem sede. Para não deixar o acolhimento chegar ao fim, Almir e outros voluntários se desdobram para atender e abrem as portas da própria casa.

“Basicamente a gente vive do dinheiro que a gente tem, porque Campo Grande é ruim de doação. Em Campo Grande temos a ATTMS (Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul), Ibis (Instituto Brasileiro de Inovação Pró Sociedade Saudável Centro Oeste), Rede apolo, Rede positiva, Fundação casa, Águia Morena , Ong azul, Lar dos sonhos positivos e Mescla (Grupo de mães, Movimento pela Liberdade e Expressão Sexual). As únicas que têm sede é o Ibis e o Lar dos sonhos positivos”, conta.

Almir explica que já tentou dedução fiscal junto às empresas, sem sucesso. “Já tentei com várias empresas e ninguém se interessa. A Prefeitura, o último edital saiu em 2012 e desde então não saiu mais nenhum”, conta.

“Eu mantenho a Fundação e Rede porque são sonhos meus, às vezes falta para mim em casa, mas eu coloco na instituição. Nós temos uma demanda espontânea, de pessoas que nos encontram, e por um trabalho que já é conhecido. Em busca de informação, em busca de acolhimento, em busca de um alento”, conta.
Sobre a rotina, Amir Afirma que envolve desde acolhimento psicológico até orientação de como conciliar a alimentação com os remédios.

“Tem um caso, por exemplo, o mais recente. Sábado estava em Glória de Dourados e uma pessoa começou a puxar conversa comigo pelo messenger. Ela havia pegado o resultado, estava com pneumonia, e estava tendo reações. Se vai ao médico fala você tem que tomar. Lá fui explicar como fazer, orientação. A gente acaba fazendo uma mistura da profilaxia clínica com o conhecimento popular. ‘O remédio vai dar enjoo, come meia hora antes’”, relata.

Ele explica que o trabalho é necessário, principalmente, pela solidão que acomete as pessoas com hiv.

“O que afeta é a segregação da sociedade. O hiv é tão quanto igual a você pegar uma gripe, um pouco mais severo, mas é tão somente um vírus. Ela já lê o diagnóstico, ela já evolui pra um caso de aids psicológico, e não sabe pra quem falar, o que falar, e o que vai acontecer e começa a entrar nos conflitos psicológicos. É muito comum a pessoa culpar sua vida sexual, então passa a não ter mais uma vida reprodutiva. Eu sei de casos que tem pessoas há 9 anos sem transar. Se é uma pessoa da comunidade LGBT ela recebe um selo”, relata.

"Se a rede positiva tivesse um recurso mensal de R$ 10 mil por mês, o que é mínimo, podemos pagar uma conta de água, de luz, ter um carro pra buscar paciente, poder dar ajuda de custo pra psicólogo, advogado, montar uma sede com sala de multiatendimento e acolhimento. Um sonho que o movimento aids tem é que esses inúmeros prédios que tem abandonados, nós já pedimos para que a prefeitura repassasse para que pudessem manter ali uma sala disciplinar. Cada um teria uma salinha, seria nossa sede social”, explica.

Maria Luíza é a criadora do espaço que acolhe pessoas em situação de rua (Izabela Sanchez)
Maria Luíza é a criadora do espaço que acolhe pessoas em situação de rua (Izabela Sanchez)

Moradores de Rua – Na ponta mais vulnerável da sociedade estão as pessoas em situação de rua. A rotina nas ruas pode ser caótica, especialmente quando envolve vícios. Os descuidos fazem com que muitos sejam contaminados com o vírus.

Criada há 21 anos no bairro Estrela do Sul, a Associação Casa São Francisco oferece alento, abrigo e tratamento para moradores de rua, e muitos recebem tratamento de saúde contra o hiv. A Associação recebe R$ 4 mil por mês da Prefeitura e R$ 27.520 do governo do Estado.

Presidente e criadora da entidade, a farmacêutica Maria Luiza Serrou dos Santos avalia que os recursos são essenciais para manter a entidade, que gasta, em média, R$ 35 mil por mês. “E esse recurso vem muito a calhar para pagar os funcionários. Eu acho que tratar as pessoas, sejam elas quais forem, não podemos questionar se é inocente se não é, se fez isso se fez aquilo não interessa, é o momento que ela está precisando, então tem que ser um tratamento de qualidade”.

“Aqui a capacidade é para 40 pessoas. Nós pegamos os moradores de rua que querem ser ajudados, e vem aqui almoçar. Eles vêm aqui, nós temos enfermeira, que faz uma anamnese, que situação que ele está. Nós temos vários com hiv e já passaram vários. Se está em uma fase primária nós tratamos, eles vão pro Hospital Dia, fazem o tratamento correto, com medicação correta, com alimentação certa, aqui com a gente”, conta.

Maria afirma que o trabalho é de “salvação”. “Essas pessoas às vezes estão na rua transmitindo pros outros. E a gente, ao retirar, nós tentamos salvá-la, reintegrá-la à sociedade. Pra essa pessoa nós falamos que fazemos um trabalho de resgate do ser humano, porque perdeu tudo: a renda, saúde, dignidade humana. Então a gente faz um trabalho para ver se ela retorna, se ela consegue. É devolvido tudo que ela perdeu”.

Espaço é amplo e quem vive na Casa realiza várias atividades (Izabela Sanchez)
Espaço é amplo e quem vive na Casa realiza várias atividades (Izabela Sanchez)

“Por exemplo, o tratamento de uma pessoa com aids, tem que ser um tratamento bem sério. Administração dos medicamentos, horário correto e alimentação pra que ela consiga tomar os medicamentos que são fortes e um lugar pra ficar”, explica.

Gratidão – Lucas Junior Nogueira, 26, é pintor e ficou três anos na rua. Hoje, além de abrigo, ele encontra na Casa São Francisco uma comunidade. “Eu era usuário de cocaína. Eu perdi tudo, me separei da minha mulher e fiquei três anos na rua. Algumas pessoas me falaram do local e fui atrás de uma assistente social”.

Agora, Lucas já arrumou um trabalho. “É um trabalho excelente, as pessoas só não mudam se não quiserem”, afirma.
Um técnico em eletrônica, 29, que preferiu não ser identificado, afirma que encontrou, no local, respeito. “Quando você se adapta à rua, tem alguma coisa que te segura. Essa aqui é uma das melhores, as pessoas te respeitam, te tratam de igual para igual. Está resgatando a minha vida”.

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) afirma que mantêm convênios com as organizações. Mantêm contato com a administração municipal, segundo a Secretaria, a Associação Águia Morena de Redução de Danos, a ATMS (Associação das Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul) e o IBIS/CO (Instituto Brasileiro de Inovação Pró Sociedade Saudável Centro Oeste).

Segundo a Sesau, a fonte de recursos é federal, do Ministério da Saúde e a celebração do acordo ocorreu por meio de Chamamento Público.

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