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Capital

Campo Grande aos olhos de quem viu o tempo agir sobre a cidade

Paula Maciulevicius | 25/08/2012 08:56
 Campo Grande aos olhos de quem viu o tempo agir sobre a cidade
‘Seo’Athanasio tem 89 anos completos antes que Campo Grande fizesse 113, mas compartilha da história em um centenário de memórias. (Fotos: Rodrigo Pazinato)
‘Seo’Athanasio tem 89 anos completos antes que Campo Grande fizesse 113, mas compartilha da história em um centenário de memórias. (Fotos: Rodrigo Pazinato)

Dos 113 anos da Cidade Morena, um pouco de quem viveu parte do centenário. Os relatos vêm em versão branco e preto, dos primórdios de uma época em que a cidade parecia fazenda e o desenvolvimento vinha a cavalo, até o colorido de quem elege Délio e Delinha como intérpretes da descrição do que é viver em Campo Grande.

É a cidade vista pelos olhos de quem está chegando aos 90 anos e dos que ainda não entraram para a terceira idade. A visão de quem viveu em Campo Grande etapas diferentes da vida.

“Nasci e me criei nesta maravilhosa cidade. Acompanhei o seu desenvolvimento econômico e social, tendo a felicidade de conviver com pessoas de todos os setores”. ‘Seo’ Athanasio Saltão, tem 89 anos completos um dia antes da cidade ganhar mais um ano de vida. O fazendeiro tem no sangue um pouco de jornalista, pouco de escritor. O receio de perder de vista detalhes importantes fez com que escrevesse, de próprio punho, a história dele com Campo Grande, o que viu e viveu na cidade onde formou a família e o patrimônio.

“Campo Grande nos primórdios havia somente o famoso portão de ferro, hoje avenida Bandeirantes, por onde entravam as comitivas de boiadas, vindas de Ponta Porã, Maracaju e outras mais. Na cabeça de boi, era por onde entravam as boiadas vindas de Rochedo. Por volta de 1920, só existia no centro a Calógeras, 14 de Julho, 13 de Maio, Mato Grosso, Antônio Maria Coelho, Maracaju, Cândido Mariano e Afonso Pena. As únicas ruas calçadas com paralelepípedos eram mesmo a Calógeras e Cândido Mariano e o comércio se entendia pela Calógeras apenas. No portão de ferro, entre os primeiros moradores, um espanhol que fez um moinho de vento que chamava a atenção, Emerenciano De La Fuente.

'Certo dia quando saía do colégio com alguns amigos, próximo a um matadouro, passou por nós uma boiada, de repente uma vaca refugou e veio para o nosso lado. Foi então que o dono da boiada, Pedro Vicente Ferreira, laçou a fujona e como estava em cima dos trilhos da estrada de ferro, o cavalo rodou, mas o exímio boiadeiro caiu de pé, segurando o laço com o animal preso”.

Athanasio se lembra da vida escrevendo e do quanto ela mudou com Campo Grande. Traz na memória a recordação dos personagens que trouxeram história, como o piloto do primeiro avião que ele se recorda de ter chegado aqui, Juvenal Paixão. E não era só no sobrenome que o voador despertava admiração. “A molecada juntava toda para ver ele chegar em um Ford. Para nós, era uma satisfação muito grande”. O sorriso que estampa o rosto remete ao do menino que corria ainda pelo chão de terra para ver Juvenal passar pela Barão.

Numa época em que o transporte que se usava era o carro de boi, as próprias pernas ou charrete, os amigos eram mais próximos. “Antes tinha mais amizade, as pessoas vinham a cavalo, mas vinham te visitar, hoje com carro, ninguém vem. O que eu quero dizer, é que antes as pessoas se relacionavam muito mais, hoje evoluiu bastante, mas o setor de amizade diminuiu. Hoje não aparece ninguém nem pra cobrar a gente”, brinca.

Retrocessos que o desenvolvimento trouxe consigo sem pedir permissão do seo Athanasio e de ninguém mais.

Como fazendeiro, ele fala do ponto de vista de quem viveu em cima de cavalo atrás de gado em uma época em que não havia caixas eletrônicos, nem cartões de crédito. “Não existia banco, era uma casa mineira onde se fazia o depósito do dinheiro da venda de gado”. Outra coisa que lhe vem à memória foi uma das repetidas cenas dos carros de boi ‘estacionados’ em frente à Pensão Bentim, a primeira pousada, na Joaquim Murtinho, de quem vinha fazer compras na cidade.

Hoje, Athanasio vê uma Campo Grande bem diferente. Para quem sempre morou na região central da cidade o elogio vai para as altas construções. “Está muito bonita hoje, aumentaram os edifícios. Evoluiu muito não né? E você sabe por que chama Cidade Morena? Porque naquela época tinha muitas moças morenas lindas, o que tem até hoje”, elogia.

‘Seo’ Nicolau veio pelo destino da industrialização. Trouxe à Capital a fábrica da Coca-Cola e aqui escolheu ficar.
‘Seo’ Nicolau veio pelo destino da industrialização. Trouxe à Capital a fábrica da Coca-Cola e aqui escolheu ficar.

Campo Grande também despertou a paixão de jovem empreendedor. Antônio Nicolau Filho, 71 anos, chegou à Capital há 40, trazendo consigo a responsabilidade de gerenciar a fábrica da Coca-Cola. Veio inaugurar e tomou conta da empresa até se aposentar como gerente de vendas. Nasceu longe, em Belém do Pará e caminhou muito por aí até se deparar com o antigo estado de Mato Grosso.

“Estou desde 1972, eu que inaugurei a fábrica da Coca-Cola”, prefere ele mesmo contar. Casou-se na Capital e escolheu viver aqui. Na bagagem quatro filhos e a crença de que Campo Grande era e é o melhor lugar para se viver. Olha que ele já morou em Niterói, Manaus, Bauru, Salvador, Vitória e Marília.

“Você tem uma vida tranquila. Eu lembro daqui quando não existia nem supermercado, era a Casas Moreira, lá na Barão, onde depois abriu o primeiro Comper. O shopping, você não deve lembrar, mas praticamente não existia, chamava Eldorado onde hoje é o Carrefour. O primeiro prédio, acho que foi aquele da Ernesto Geisel com a Afonso Pena”. A sequência dos ‘primeiros’ na Capital foi toda acompanhada pelos olhos de ‘seo’ Nicolau.

Lembranças que já marcaram décadas, mas saem nitidamente da memória do senhor como se fosse ontem.

Hoje garapeiro, Arcindo Corrêa chegou a Campo Grande para trabalhar com gado. Boiadeiro, viveu boa parte da vida viajando e há 20 anos viu Campo Grande crescer, acompanhando pela avenida Bandeirantes.
Hoje garapeiro, Arcindo Corrêa chegou a Campo Grande para trabalhar com gado. Boiadeiro, viveu boa parte da vida viajando e há 20 anos viu Campo Grande crescer, acompanhando pela avenida Bandeirantes.

A mesma idade, mas histórias e lembranças diferentes. Um veio trazido pela industrialização ou pelo destino. O outro, pelo trabalho nas fazendas da família Coelho. Os últimos 21 anos já contabilizam memórias mais humanizadas. Rostos, sorrisos e o gosto de cada cliente. Duas décadas de trabalho no mesmo ponto, onde o garapeiro Arcindo Corrêa, 71 anos, viu a Bandeirantes tomar forma.

Em uma das esquinas, lá está o ponto de trabalho de ‘seo’ Arcindo. Um simpático senhorzinho que chega todo dia de bicicleta a uma garaparia vermelha, apesar de ter carro, diz que prefere, pela saúde, ir e voltar no trajeto de cinco quilômetros de casa, até o trabalho. Ele chega por volta das 7h40 da manhã e vai embora às 5h da tarde. Não usa relógio e explica que as horas estão no pensamento dele. É ver que já deu o horário de encerrar o expediente, junta o que trouxe e vai embora. Quem olha no relógio percebe que ele bate o ponto categoricamente às 17h. Se recolhe e segue os cinco quilômetros até o Tijuca II, onde mora.

Arcindo nasceu em Bonito e veio trabalhar em fazenda. Na verdade, ele define Campo Grande daquela época como “tudo era fazenda minha filha. Só lá da Salgado Filho pra lá que tinha casas”.

Com um vocabulário simples, mas daqueles personagens que mostram a força que tem no dia-a-dia, ele fala que tira o chapeu para as administrações. “Todos roubam, mas tem aqueles que roubam e não fazem nada né?” O primeiro trabalho que teve foi em uma fazenda da família Coelho. Foram anos como boiadeiro. “Aí você não tem cidade né? Depois parei, casei e hoje moro definitivamente em Campo Grande”. O hoje garapeiro viu o que considera aumento da população e coligação dos bairros. “Hoje não tem bairro longe não. Nós aqui já estamos no centro. Lá onde é o Hospital Regional era uma fazenda em 63 eu pousei lá para entregar uma boiada pro matadouro e hoje olha o que é e onde está”, o pensamento é transferido para uma Campo Grande da década de 60.

“As pessoas que vieram para cá e até hoje vem para cá, acredito que pensem que é cidade boa de morar. Eu vou até o fim da minha vida aqui, já rodei o Brasil inteiro e o que eu gostei, foi mais daqui”, finaliza.

Do mais velho ao mais novo. César Índio não entrou para a terceira idade ainda, mas carrega consigo histórias de uma Capital que completa 113 anos.
Do mais velho ao mais novo. César Índio não entrou para a terceira idade ainda, mas carrega consigo histórias de uma Capital que completa 113 anos.

Ele não é dos mais velhos, mas tem uma longa trajetória. Nasceu e se criou em Campo Grande, onde também despertou a paixão pelos animais. Luiz César Índio do Brasil, laboratorista, 54 anos e coordenador do Biotério, consegue ainda ter tempo livre e disposição à beça para promover eventos culturais.

Quando criança morou na região Caiçara e Jardim Leblon. “Era terra e barro, hoje você volta lá e se surpreende, ficou lindo onde só tinha mato, tem lugar que nem consigo mais encontrar rua que eu conhecia antigamente”, relata.

A cidade cresce e foi para todos os lados. Para cima, para baixo. Onde mora hoje, no bairro Giocondo Orsi, a área considerada nobre tem no passado um histórico de favela. Bairro sem estrutura e lazer. “A cidade cresceu e eu acho maravilhoso, aqui era uma favela, um buraco, mas foi crescendo. Hoje eu brinco que a Afonso Pena é a nossa avenida Paulista”.

Orgulhoso de conseguir as conquistas que carrega no currículo como profissional, ele define em uma palavra o que para os mais experientes quer dizer passado. “Para mim Campo Grande é realização e poderia ser traduzida em uma música ‘Voltando para minha terra renasci, os anos que fiquei distante, acho que morri’ é Délio e Delinha, né? Eu acredito que seja essa a música, parabéns pelos 113 anos Campo Grande”.

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