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Capital

Entre o frio e a miséria, idoso vive da solidariedade de vizinhos no Pioneiros

Paula Maciulevicius | 08/06/2012 18:25
A matemática daria a ele 50 anos, mas as histórias do passado e uma sobrevivência miserável dão bem mais. (Foto: Rodrigo Pazinato)
A matemática daria a ele 50 anos, mas as histórias do passado e uma sobrevivência miserável dão bem mais. (Foto: Rodrigo Pazinato)

Quatro finas paredes de madeira e um teto de telha esburacada. Em volta, materiais que junta para reciclagem, restos de comida e quatro cachorros. A cena choca quem passa pela rua João Rodrigues da Silva, no bairro Pioneiros, em Campo Grande. Nessa sexta-feira as baixas temperaturas já tinham dado uma trégua, mas se pode imaginar o frio que este senhor passou durante os dias em que o inverno bateu à porta.

Apesar da fisionomia sofrida e da solidão que ele deixa transparecer, “seo” Juarez Nunes pacientemente conversa com a equipe. Tenta dizer a idade. Parece bem mais do que ele relata. Responde que nasceu em 1962 e questionado se já fez aniversário este ano, fala que é nascido em 5 de janeiro.

A matemática daria a ele 50 anos, mas as histórias do passado e uma sobrevivência miserável dão bem mais. Mãos trêmulas, barba por fazer, roupas já surradas e palavras que saem com dificuldade.

Em busca de agasalho, comida e material para casa, a vizinha Emília Lemos da Silva, foi quem, comovida pela situação, chamou o Lado B. Aos 34 anos, é amiga de Juarez desde que se conhece por gente. Cresceu ali no bairro, onde o senhor também morou boa parte da vida.

Na foto, o único cômoda da casa. Entre comida, panela e roupas, o cachorro sentado no colchão molhado pela chuva. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Na foto, o único cômoda da casa. Entre comida, panela e roupas, o cachorro sentado no colchão molhado pela chuva. (Foto: Rodrigo Pazinato)

“As pessoas acham que não existe gente assim, mas existe e está mais próximo do que a gente pensa. Desde criança, desde que me entendo por gente conheço ele. E sempre sozinho. Antes as crianças tinham medo, tacavam pedras nele, machucavam”, relata.

Juarez vive de reciclagem, conta que cata papelão pela rua e de vizinhos que ajuntam para ele. “Tem mais de 30 anos que estou aqui. Sou de Cuiabá”, diz. Timidamente ele vai respondendo e faz que não com a cabeça quando a equipe pergunta se está sentindo frio.

No início da tarde desta sexta-feira, Emília fez o que é de costume. Levou comida para o vizinho e perguntou se ele havia comido tudo de ontem. Ele rapidamente se pôs a abrir as embalagens. Era a fome que já estava apertando mais do que o frio.

Há seis meses Juarez passou de um cômodo de material, construído pela vizinhança em um terreno, para a casinha simples, feita de madernite. O dono do terreno onde ele morava antes vendeu o local e realocou Juarez ali.

Entre roupas, panelas e cachorros, ele mostra onde tem dormido desde que essa última temporada de frio começou. “Ali”, aponta. Na direção das mãos está um banco de madeira. Com as chuvas desta semana, o colchão e parte das roupas molharam. O que sobrou foi a fina tábua de madeira, para servir de cama.

A vizinha Emília conta que há dois anos procurou a imprensa para que a família dele fosse localizada. Parece que encontraram parentes em Cuiabá, de onde ele afirma ter vindo. Mas a convivência não teria dado certo. Ele continua ali, sem as mínimas condições de sobrevivência num local nada higiênico.

Independentemente de passado ou de quem tenha já tentado estender a mão “seo” Juarez precisa de um olhar do próximo. Em meio à sujeira vive sem documentos, aposentadoria e muito menos atenção à saúde básica.

Quando questionado o que come quando não tem a solidariedade da vizinhança, ele fala que ele mesmo cozinha e mostra o fogão. Uma lata velha de tinta já queimada pelo fogo jogada pelo quintal.

A vizinha é quem leva comida todos os dias ao idoso. É amiga de Juarez desde que se conhece por gente e hoje pede a solidariedade da população. (Foto: Rodrigo Pazinato)
A vizinha é quem leva comida todos os dias ao idoso. É amiga de Juarez desde que se conhece por gente e hoje pede a solidariedade da população. (Foto: Rodrigo Pazinato)

“Nunca casei e nem quero, melhor viver solteiro”. A frase sai quase junto com um sorriso.

Sobre o passado, Juarez comenta que trabalhou na estrada de ferro da Noroeste. “Já faz muito tempo, carregava alimento. Agora ando aí à toa”. O que ele recolhe de papelão é vendido em uma reciclagem. A cada quilo do material, ele recebe R$ 10. “Não demora muito não pra juntar, mas dá trabalho. É o dia inteiro”, diz.

Emília fala que nunca teve medo dele e que passou isso para os filhos. “O mais novo ainda me pergunta mãe, mas ele não tem casa? Como que mora assim?”.

Entre a vizinhança, Juarez é figura conhecida. “Ele e os cachorros”. É assim que os moradores se referem a ele. “Ele vive na rua, passa, conversa e brinca. Nós ajudamos, ele e um monte de cachorro”, descreve o empresário Donizete José dos Santos, 44 anos.

“Faz anos que mora ali. Primeiro morava em uma casa, aí construíram e ele foi mais para baixo. Quando consigo, alcanço alguma coisinha pra ele, dá pra ajudar com o que a gente tem. Tem gente que precisa pelo mundo, é uma judiação. Ele não incomoda ninguém, só vive aí sofrendo ele e os cachorros”, relata a aposentada Beatriz Rodrigues, 81 anos.

A vizinha Emília segue no cotidiano já solidário. Todos os dias sai de casa, faça chuva ou sol, anda algumas quadras até Juarez. “Ele às vezes é áspero com as pessoas, mas comigo nunca foi. Sempre meu amigo. Eu queria conseguir para ele os documentos, aposentadoria e quem sabe uma casinha do governo pra ele”.

“Quem puder ajudar, pode me ligar, eu vou junto, eu levo as coisas até ele. Só quero ajudar”, finaliza. O telefone de contato da Emília é o 3042-1086.

Independentemente de passado ou de quem tenha já tentado estender a mão “seo” Juarez vive em meio à sujeira, sem documentos, aposentadoria e muito menos atenção à saúde básica e precisa de ajuda. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Independentemente de passado ou de quem tenha já tentado estender a mão “seo” Juarez vive em meio à sujeira, sem documentos, aposentadoria e muito menos atenção à saúde básica e precisa de ajuda. (Foto: Rodrigo Pazinato)
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