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Capital

Indignação e esperanças de novo tempo marcam interdição de terminal

Flávia Lima | 27/10/2015 15:53
Pouco antes da chegada dos bombeiros e PM, comerciantes ainda retiravam mercadorias das lojas.
Pouco antes da chegada dos bombeiros e PM, comerciantes ainda retiravam mercadorias das lojas.

Da janela de um quarto no terceiro andar de um hotel localizado na Rua Dom Aquino, em frente a antiga rodoviária da Capital, a camareira Cristimaira da Silva e Souza observava, na manhã desta terça-feira (27), toda a movimentação de bombeiros e policiais no prédio, interditado devido a falta de itens de segurança e combate a incêndio.

Mesmo vendo as lojas com os cartazes anunciando a interdição, a camareira custou a acreditar que um dia, aquele que foi um dos principais pontos históricos e de referência para quem chegava a Campo Grande, fosse fechado totalmente, mesmo por pouco tempo.

Enquanto observava os últimos comerciantes saírem das lojas, a camareira conta que passou um filme em sua cabeça e recordou dos anos em que trabalhou em uma lanchonete no terminal, no início dos anos 2000.

Desde que a região caiu no esquecimento com a inauguração do novo terminal rodoviário, na Avenida Gury Marques, saída para São Paulo, o movimento na antiga rodoviária, inaugurada em meados da década de 1970, e nos estabelecimentos comerciais das redondezas, sofreu um baque, incluindo os hotéis.

No entanto, Cristimaira ainda sonha com uma revitalização da região que possa resgatar ao menos parte dos anos dourados do antigo terminal e até mesmo do bairro. “Dá uma dor no coração de ver isso. Tive muitos bons momento aqui”, lembra.

Apesar de ganhar salário mínimo, ela conta que sua patroa era uma pessoa justa e “de bom coração”, por isso conseguiu criar os três filhos e conquistar alguns bens graças ao dinheiro economizado neste período.

A maior saudade é do movimento do local, dos dias sem rotina e dos amigos novos que fazia durante o entra e sai de passageiros na lanchonete. “Era muito alegre. Adorava trabalhar lá”, diz.

A ida para o hotel aconteceu pouco antes da inauguração da nova rodoviária, mas o antigo cenário de trabalho continuou fazendo parte de sua vida. “Já estava acostumada achegar aqui e ficar olhando as lojas abrirem, lembrando do meu tempo”, conta com ar de nostalgia.

Ao saber que a interdição é temporária, a camareira respira aliviada e volta a ter esperança que após a regularização total do prédio, o poder público decida investir na recuperação da região. “Aqui ainda é um ponto de referência. Tem tanta sala ociosa ali, poderiam começar a mexer aos poucos. É um desperdício de dinheiro deixar tudo se deteriorar”, afirma.

A camareira Cristimaira observa a movimentação de interdição do antigo terminal rodoviário. (Foto:Gerson Walber)
A camareira Cristimaira observa a movimentação de interdição do antigo terminal rodoviário. (Foto:Gerson Walber)
Pietro Luigi lamenta o prejuízo, mas aposta em reabertura na próxima semana. (Foto:Gerson Walber)
Pietro Luigi lamenta o prejuízo, mas aposta em reabertura na próxima semana. (Foto:Gerson Walber)

Esperança - Assim como Cristimaira, os poucos lojistas que acompanharam a ação dos bombeiros, também têm a esperança que a interdição será por pouco tempo e, no máximo em uma semana, poderão retornar ao local de trabalho, que para alguns, tem sido o único nos últimos 30 anos.

É o caso de Mamede Fernandes, que nas décadas passadas chegou até a morar no condomínio que abriga o antigo terminal. Dono de duas salas, ele conta que sua única renda vem da loja de utilidades que mantém no local. “Não tenho porque sair daqui. Eu comprei com o meu trabalho e já tenho meus clientes”, ressalta.

Sentado na soleira de uma das lojas do lado externo do prédio, ele buscava assimilar o ocorrido lendo um jornal. Apesar de concordar com a interdição, o comerciante afirma que o prédio não oferece o risco propagado pelas autoridades e acredita que seria possível realizar as adequações com as lojas abertas.

"Tem locais muito mais perigosos aqui em Campo Grande estão abertos", reclama. Sem comentar o prejuízo que terá por dia com a interdição, ele aposta que em menos de uma semana tudo será resolvido. "O pessoal já está trabalhando e a gente vai voltar logo", destaca.

Já Pietro Luigi, dono de uma loja de artigos musicais, tinha esperança de que a administração conseguisse concluir a instalação dos itens básicos de segurança até o final da tarde desta segunda-feira (26), evitando a interdição. "Nem retirei minhas coisas da loja porque não imaginava que iria fechar", revela.

Luigi acredita que terá um prejuízo de cerca de R$ 150,00 por dia. Pagando um aluguel de R$ 700,00 e taxa de condomínio de R$ 120,00, ele espera que as pendências sejam resolvidas até o feriado. "A acredito que em uma semana os equipamentos que faltam ser instalados já estarão funcionando e os bombeiros irão liberar o espaço novamente", afirma.

Mesmo não aprovando totalmente a interdição, a maioria dos comerciantes ouvidos pelo Campo Grande News concorda que a ação será benéfica, já que irá proporcionar mais segurança ao público e aos próprios lojistas.

Funcionários em um escritório de contabilidade localizado dentro do complexo comercial, Elson de Souza e Eder Pereira acreditam que após a interdição, o local terá a chance de vivenciar uma nova fase, já que a implantação do projeto de combate a incêndio poderá atrair mais clientes, uma vez que os bombeiros terão atestado a segurança do prédio.

Indignado estava apenas Samuel Daniel, dono de uma relojoaria no prédio há 35 anos. Ele conta que nunca imaginou presenciar uma interdição do antigo terminal e refuta as informações de que o espaço não oferece segurança alguma. "Isso aqui é construção antiga. O incêndio que teve ano passado foi apenas em uma loja e pode acontecer em qualquer lugar", diz.

Para Samuel, a interdição, mesmo temporária, foi "injusta", prejudicando a renda de quem depende exclusivamente dos clientes da região. "Agora é pedir a Deus que reabra logo para a gente continuar garantindo nosso ganha pão", afirma.

Após a implantação dos itens básicos de segurança, como hidrantes, iluminação de emergência, brigada de incêndio e rotas de fuga, a administração poderá solicitar uma nova vistoria. Caso seja aprovada, os bombeiros irão emitir uma autorização temporária de 90 dias para os lojistas manterem suas atividades, prorrogável por mais 90 dias, até que todo o projeto seja implantado.

Bombeiros interditam lojas na manhã desta segunda-feira na antiga rodoviária. (Foto:Gerson Walber)
Bombeiros interditam lojas na manhã desta segunda-feira na antiga rodoviária. (Foto:Gerson Walber)

Tentativas - Não faltaram projetos para recuperar a antiga rodoviária, que já estampou cartões postais, comprados por quem visitava a Capital e desejava mostrar aos amigos e parentes, um dos principais pontos turísticos da cidade.

Órgãos públicos chegaram a se instalar, como a Central de Passe do Cidadão, porém a maior parte dos projetos acabou empoeirado no fundo das gavetas do Poder Público.

Até o Judiciário cogitou alugar uma sala, no entanto, a tentativa de transferir as atividades da Câmara Municipal ao prédio, inaugurado em 1976, foi, sem dúvida, o projeto mais polêmico e que acabou refutado pelos vereadores. A ideia surgiu em 2012, ainda na gestão do ex-prefeito Nelson Trad Filho.

Na época, a prefeitura enfrentava uma batalha judicial com a empresa proprietária do atual prédio da Câmara, mas os altos custos da desapropriação não levaram adiante o projeto.

Na volta dos trabalhos dos vereadores, em março deste ano, os comerciantes viram uma última luz no fim do túnel através da campanha “Embarque nessa! Visite o Centro Comercial do Oeste. Invista nessa ideia”, lançada pelo legislativo, mas a busca da requalificação do local novamente acabou em frustração.

Não faltaram, também iniciativas do setor cultural, com o projeto "Luz na Rodo", que levou atrações artísticas e eventos ao espaço, mas perdeu força diante a falta de incentivos, aliás, os recursos financeiros escassos sempre foram as principais razões para manter o antigo terminal no esquecimento.

O sonho dos comerciantes que resistem na antiga rodoviária desde janeiro de 2010, quando o ultimo ônibus deixou as plataformas, é de que a garantia de um local seguro, atestado pelos bombeiros, ressuscite a discussão sobre a recuperação da região e que o pedido de revitalização em uma das faixas, logo na entrada do terminal, saia efetivamente do papel.

"Depois da readequação, aqui será o lugar mais seguro de Campo Grande", garantiu aos bombeiros, a síndica do condomínio, Rosane Nely Lima.

Centro comercial do antigo terminal ainda tem faixa pedindo pela revitalização do espaço. (Foto:Gerson Walber)
Centro comercial do antigo terminal ainda tem faixa pedindo pela revitalização do espaço. (Foto:Gerson Walber)
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