ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
MAIO, TERÇA  13    CAMPO GRANDE 23º

Capital

José sorriu até horas antes de ser intubado, mas acabou não resistindo à covid

No dia 7 de julho, exatamente um mês após ser internado, José Leão se despediu da família, levado pela covid-19

Lucia Morel | 22/08/2020 07:29
José sorriu até horas antes de ser intubado, mas acabou não resistindo à covid
José Leão com os três filhos mais velhos. (Foto: Arquivo da Família)

Quando chegou ao Hospital Regional de Mato Grosso do Sul para ser internado, José Leão Ribeiro, de 75 anos, encontrou um amigo que estava dando entrada na unidade no mesmo dia, 7 de julho. Com alegria, riram um do outro, ambos com máscara de oxigênio e acometidos pela covid-19. O amigo recebeu alta recentemente, mas José faleceu, no último 7 de agosto.

O que poderia causar algum tipo de revolta na família, já que foi o colega encontrado no HR – ao que tudo indica – que transmitiu a doença para José, se transforma, na verdade, em motivo de riso, como conta a médica veterinária Laura Raquel Rios Ribeiro, 42.

Filha de Leão, ela relembra os médicos e enfermeiros contando como foi o encontro de ambos no hospital. “Ele viu amigo dele na ala vermelha do Pronto Socorro e eles acharam engraçada a situação, os dois com máscaras de oxigênio. Eles se viram e foi uma alegria só”, rememora. Horas depois, José foi intubado e nunca mais acordou.

José sorriu até horas antes de ser intubado, mas acabou não resistindo à covid
Com Laura, no Carnaval, uma das festas que mais gostava. (Foto: Arquivo da Família)

Laura lembra também que os primeiros sintomas no pai foram no começo de julho e que havia mantido contato com esse amigo durante toda a semana que antecedeu sua internação. “Ele morava sozinho e quando eu perguntava se estava ficando em casa direitinho, ele falava que sim e eu que ele estava só em casa também”, lamenta.

Conforme a filha, José almoçou com o amigo na sexta-feira, 3 de julho, e no domingo, 5, ela foi almoçar com o pai, que já estava com cansaço e coriza. Ela falou pra irem ao médico, mas ele negou, sustentando que os sintomas seriam do tempo seco. “Ele não comentou nada que tinha saído de casa e encontrado com o amigo dele”.

Laura só soube que o pai não estava resguardado em casa na terça-feira, quando a irmã desse amigo ligou para ela informando que ele estava com covid e estava sendo internado. “Foi ela quem disse que ele esteve com meu pai a semana toda”, disse a filha, falando que no mesmo momento foi até a casa do pai e o levou até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do bairro Universitário.

“Eu falei que a irmã do Gilberto entrou em contato e ele já estava mais ofegante que domingo. Ele estava bem cansado e já com tosse. Falei que isso aí era covid e que ele ficou andando com o Gilberto e ele não falou nada”.

Da UPA, José conseguiu vaga direto para o HR. A saturação dele já estava baixa. Quando colocaram nele o oxigênio, ele se sentiu melhor e disse à filha que naquele dia ainda ele voltava para casa, porque iria ao hospital apenas fazer um exame. Foi a última vez que os dois se viram e se falaram.

Na madrugada do dia 8 de julho ele foi intubado e assim permaneceu até 7 de agosto, quando faleceu. Nesse período, José adquiriu problemas renais e começou a fazer hemodiálise. Também desenvolveu uma pneumonia mais grave que não cedeu com as medicações e ainda uma lesão cerebral, tudo decorrente da covid-19.

José sorriu até horas antes de ser intubado, mas acabou não resistindo à covid
José Leão com parte dos oito netos. (Foto: Arquivo da Família)

A esperança até então era de que com a traqueostomia, que é o procedimento de abertura de um orifício na traqueia para colocação de uma cânula para a passagem de ar, realizada para uso do respirador, ele começasse a melhorar, mas isso não aconteceu. José era hipertenso e diabético, além de obeso.

“O médico comentou comigo que meu pai era muito agitado e que teria que intubar no mesmo dia que ele chegou para evitar que ele tirasse o oxigênio. Foram 30 dias dele lutando contra a doença, mas estávamos conscientes do que é a covid e do que ela pode causar no organismo”, sustentou Laura.

Diante de todo esse quadro, ainda que José sobrevivesse, seria com sequelas que nem os médicos souberam dizer qual seria.

Montanha-russa – Segundo Laura, os últimos dias têm sido uma montanha-russa de sentimentos. “Em alguns momentos eu estou bem, outros me pergunto se isso está acontecendo mesmo. Em outros momentos fico revoltada e tem outros momentos de boas lembranças e gratidão”, revela.

Gratidão principalmente aos profissionais de saúde que atenderam seu pai e também ela, dando assistência tanto em relação ao acompanhamento da covid-19, quanto amparando na assistência psicológica e social.

“Sou fã do SUS (Sistema Único de Saúde). Ele foi bem assistido todo tempo, desde a assistente social até a psicóloga, os médicos, todos fazendo tudo com muito amor, querendo abraçar sem poder e pedindo perdão por não poderem fazer isso”, relembra.

Nisso tudo, o momento mais difícil foi do enterro. “Tivemos 30 dias muito ruins, mas não ter velório foi o que mais me chocou, não poder velar o meu pai. O sepultamento durou três minutos, o pessoal do cemitério todo paramentada, parecendo guerra biológica. O corpo já desce do carro para enterrar e a gente não pode ver. Caixão lacrado e a gente pensa mesmo: “será que é ele que está lá dentro?”. Mas gente tem que acreditar”, relata.

José sorriu até horas antes de ser intubado, mas acabou não resistindo à covid
Com os filhos e alguns netos. (Foto: Arquivo da Família)

Legado – Mas a dor também faz ressaltar a lembrança boa e essas, Laura diz ter muitas do pai. Bem-humorado, ele costumava brincar, quando questionado se estava se cuidando e evitando contato com as pessoas por causa da pandemia, que “essa panda é sua, não minha”.

Dizia também que era amigo de Deus e que Deus estava com ele. “Ele era muito alegre, não reclamava de nada, destemido, corajoso, religioso”, relembra a filha. Católico, frequentava as novenas da Igreja Perpétuo Socorro e “por pior que fosse a situação, estava sorrindo” e “nos ensinando sempre a agradecer”.

“Ele tinha muita energia, animadíssimo, um leão mesmo, “guerreirão”. E é isso que ele nos deixa, essa bondade inquestionável e a alegria pela vida”.

José deixa seis filhos - três mais velhos do primeiro casamento e outros três do segundo - e oito netos.

Nos siga no Google Notícias